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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCOCAMPUS GARANHUNSCURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIALETÍCIA GABRIELLY BARRETO PAIXÃOAS MULHERES NO CANGAÇO: ENTRE O AMOR E A VIOLÊNCIAGARANHUNS - PE2024UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCOCAMPUS GARANHUNSCURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIALETÍCIA GABRIELLY BARRETO PAIXÃOAS MULHERES NO CANGAÇO: ENTRE O AMOR E A VIOLÊNCIAMonografia apresentada ao Curso de Graduaçãoem Biblioteca da Universidade de PernambucoCampus Garanhuns, como requisito para obtençãode Licenciatura em História.Orientadora: Profa. Dra. Maria Giseuda de BarrosMachadoCoorientador: Prof. Dr. Nome completo.GARANHUNS - PE2024LETÍCIA GABRIELLY BARRETO PAIXÃOAS MULHERES NO CANGAÇO: ENTRE O AMOR E A VIOLÊNCIATrabalho de Conclusão de Curso – TCCexaminado e aprovado pelo Curso de História daUniversidade de Pernambuco - CampusGaranhuns, como requisito parcial para obtençãodo título de Licenciada em História.Aprovada em ___/___/____Nota: _________________BANCA EXAMINADORAOrientadora: Profª. Drª. Maria Giseuda de Barros MachadoUniversidade de Pernambuco – UPE – Campus GaranhunsProfª. Drª. Nome completo (Membro interno)Universidade de Pernambuco Campus Petrolina (UPE)Profª. Drª. Nome completo (Membro externo)Universidade Federal do Nome (UFN)AGRADECIMENTOCom profunda gratidão, dedico este momento para expressar meus sincerosagradecimentos a todos que desempenharam um papel significativo na conclusão destedesafiador trabalho acadêmico. Este encerramento representa o fim de uma jornada intensa eenriquecedora, uma etapa que permanecerá marcada em minha vida para sempre. Agradeçoespecialmente às pessoas extraordinárias que tive o privilégio de conhecer e àquelas quesempre estiveram presentes ao longo da minha trajetória. Sem a contribuição de cada umadelas, esta jornada não teria sido possível. A todos, dedico meu eterno amor e um sinceromuito obrigado.Primeiramente, gostaria de expressar minha profunda gratidão à minha orientadora,Maria Giseuda de Barros Machado, que desempenhou um papel crucial na minha trajetóriaacadêmica. Sua colaboração constante, apoio incondicional e paciência incansável foramfundamentais para superar as dificuldades que encontrei ao longo do caminho. Sua dedicaçãoe orientação foram verdadeiramente inspiradoras.Ao meu amado namorado, Leonardo Vitor, desejo expressar minha profunda gratidãopor sua presença nos momentos mais desafiadores. Seu apoio constante, encorajamento ecompreensão foram alicerces essenciais que me sustentaram ao longo de toda a jornada. Suacompanhia significou o mundo para mim, e anseio pela felicidade de contar com ela peloresto da minha vida.Agradeço profundamente ao meu tio Omar Barreto, cujo apoio e estímulo têm sidouma fonte inesgotável desde a minha infância. Sua presença constante, incentivo e fé em meupotencial foram pilares fundamentais em minha jornada educacional. Expresso minha sinceragratidão por ter desempenhado o papel de um segundo pai para mim. Espero, um dia, poderretribuir todo esse amor que generosamente compartilhou comigo. Muito obrigada.Aos meus queridos pais, Karla Barreto e Sérgio Paixão, mesmo distantes fisicamente,expresso minha sincera gratidão por sempre acreditarem em mim e incentivarem meusestudos. Sua confiança tem sido um farol orientador em momentos desafiadores, iluminandomeu caminho e fortalecendo minha determinação.Ao meu irmão gêmeo, Sérgio Barreto, expresso meu sincero agradecimento por estarsempre ao meu lado, nos momentos tanto bons quanto desafiadores. Seu apoio incondicionaltem sido um pilar fundamental em minha vida, e sua presença constante e estímulo têm sidofontes inspiradoras que me impulsionaram a vencer cada batalha.Aos queridos colegas de faculdade,Claudia Maria, expresso minha sincera gratidãopor estar sempre ao meu lado, orientando-me e oferecendo sabedoria nos momentos em quemais precisei. Obrigada por tudo; os momentos que compartilhamos são inesquecíveis, eanseio por criar mais memórias únicas contigo. Sua inteligência e singularidade sãoverdadeiros presentes, e sou grata ao universo por tê-la conhecido.A Francimara, minhaprofunda gratidão por ser a pessoa incrível e determinada que é. Espero que nossa amizadeperdure, e que possamos continuar desfrutando de momentos divertidos juntas ao longo denossas vidas, lembrarei sempre das suas lições e dos momentos que compartilhamos comoverdadeiros presentes em minha vida.Antônio, meu agradecimento sincero pelo apoioconstante e pela presença em cada pequeno momento desta jornada. Serei eternamente gratapela nossa amizade.Rafael, meu melhor amigo, a sorte de tê-lo conhecido é imensurável.Agradeço pelas conversas, pelos abraços, pelos momentos de desabafo e por estar sempre aomeu lado nessa jornada. Te amo muito; você se tornou um irmão que desejo levar para o restoda minha vida.À minha querida amiga Rebeca,Expresso minha sincera gratidão por suapresença constante e pelo apoio valioso que sempre ofereceu nos momentos em que maisprecisei. Lembrarei com carinho dos trabalhos e das lições que aprendemos juntas,construindo memórias preciosas ao longo dessa jornada universitária. Obrigada por tudo.Atodos vocês, meus amigos, agradeço por se tornarem uma verdadeira família durante essesanos de estudo. A amizade e o apoio de cada um de vocês foram elementos cruciais quetornaram cada desafio mais leve e cada conquista mais significativa.À minha querida avó Helena Barreto,mesmo à distância, meu coração transborda degratidão por sua presença constante em minhas escolhas e decisões. Sua sabedoria e amorforam pilares essenciais ao longo de todo meu percurso universitário e permanecerão comigopelo resto da vida. Obrigada, de coração.Para concluir, quero expressar minha profunda gratidão a toda minha família, com umagradecimento especial às minhas tias Ariane Barreto e Andreia Barreto, bem como aos meusprimos e amigos em Recife, especialmente aqueles do grupo "Eu ouvir rolê?". A presençacontínua e a confiança em meu potencial provenientes de cada um de vocês foram fontesverdadeiramente motivadoras. Cada contribuição única de vocês foi essencial para o meusucesso.Agradeço a todos por fazerem parte desta jornada. Seu apoio fez toda a diferença, eeste trabalho reflete o investimento e confiança que depositaram em mim. Estouprofundamente grata por cada gesto de carinho e apoio ao longo dessa caminhada. Esperocontinuar a honrar essa confiança, proporcionando cada dia mais orgulho para todos vocês.A todos, minha eterna gratidão.RESUMOAs mulheres no cangaço não se limitaram a desempenhar meramente o papel decompanheiras dos cangaceiros; ao contrário, revelaram-se autênticas guerreiras, engajando-seem batalhas incansáveis para conquistar seu espaço na sociedade sertaneja e desafiar osparadigmas impostos às mulheres daquela época. Personalidades como Dadá e Sila, cujashistórias talvez não sejam amplamente conhecidas, deixaram uma marca profunda em todauma geração de mulheres sertanejas que as sucederam. Este trabalho busca narrar a históriadessas mulheres de uma maneira única, sob a perspectiva delas, destacando como, mesmodiante de terríveis adversidades, incluindo casos de estupro, conseguiram ser marcantes comtoda a sua força e valentia na construção da história do cangaço.Iniciamos nossa exploraçãodo cangaço com uma abordagem panorâmica, abrangendo desde a promulgação da Lei deTerras até o desenvolvimento integral desse fenômeno. Isso se deu por meio de uma extensapesquisa bibliográfica, explorando as características distintivas e as personalidades marcantesatravés das obras dos principais autores que contribuíram para a compreensão desse período.Em seguida, dedicamos um capítulo integral às mulheres cangaceiras, detalhando desde suaentrada no cangaço até suas vidas e realizações dentro e fora desse contexto. Para enriquecerainda mais a pesquisa, adotamos uma perspectiva bibliográfica única,física, e mais tarde uma admiração quanto à sua postura, bravura ecoragem. Ela se tornava, então, precursora da bravura e excelênciafeminina no universo do cangaço, até então meio unicamente masculino(Araújo et al., ANO ?, p. 1).De acordo com Negreiros, em seu livro “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres noCangaço”23, a entrada das mulheres no cangaço ocorreu principalmente por três caminhosdistintos: por meio de ações violentas dos próprios cangaceiros, como consequência danecessidade de escapar da brutalidade das forças volantes, ou ainda, de forma voluntária. Amotivação diversificada que as conduziu a ingressar no cangaço reflete a riqueza de suasexperiências individuais. Tomemos o exemplo de Maria Bonita, uma das cangaceiras mais23 NEGREIROS, Adriana.Maria Bonita:sexo,violência e mulheres no cangaço. São Paulo: Senac, 2003.proeminentes da história. Sua decisão de se unir ao bando liderado por Lampião não serestringiu apenas ao amor por Virgulino Ferreira da Silva. Ela também segundo Amaury 24sedeu por uma revolta dela para os militares que expulsaram os pais da cidade e incendiaram acasa em que moravam porque recebiam a visita dos cangaceiros.Imagem 9: O bando, com Maria à frente.Fonte: Benjamin Abrahão.No caso de Sérgia Ribeiro da Silva, mais conhecida como Dadá, que posteriormentetornou-se esposa de Corisco, também conhecido como o 'Diabo Louro', sua entrada nocangaço foi involuntária, ocorrendo quando ela tinha apenas 14 anos de idade. Como éretratado no livro de Negreiros sua experiência inicial foi marcada por uma violência sexualextrema que a levou a uma grave hemorragia, ameaçando sua vida.Quando Corisco finalmente se saciou, a garota essa inerte, quasedesfalecida, com a região genital em carne viva, esvaindo-se em sangue.Delirando de tanta dor, pensara que suas pernas haviam virado escamasde peixe e, na alucinação, “nadava feito uma sereia numa correntevermelha com pedras de diamante” (NEGREIROS, 2018, p. 34).Com o passar do tempo, Dadá enfrentou a necessidade de se adaptar gradualmente aessa vida em um ambiente hostil, durante a qual ela desenvolveu, progressivamente, umprofundo vínculo afetivo com Corisco. Inicialmente, sua motivação primordial era asobrevivência, impulsionando-a a se ajustar às circunstâncias adversas que enfrentava.Contudo, à medida que o tempo passava, essa motivação de sobrevivência cedeu lugar aocrescimento de seu compromisso e amor pelo cangaço.Todo mundo me respeitava, vinha grupos inteiros à procura de Corisco,prá eu costurar, prá eu bordar, prá tudo. Se tinha uma mulher prá tercriança, vinha procurar a mim porque eu assistia, era quem ajeitava tudo,era quem dava àquele povo as coisas que precisava. Era 'comadre Dadá,venha cá na hora de distribuir a bóia. Eu fui como uma chefa(...) (Dadá,ANO, p. ?).24 AMAURY, Antônio Araújo Corrêa.Maria Bonita-A Mulher de Lampião.Salvador. ED. Elba, 2011.A experiência de Dadá exemplifica de forma marcante como a vida no cangaçofrequentemente envolvia situações extremamente difíceis, onde a sobrevivência inicialpoderia evoluir para uma conexão profunda com o movimento, mostrando como as trajetóriasindividuais das cangaceiras eram complexas e multifacetadas.Uma outra figura cangaceira que se tornou notória na história e que também ingressouno cangaço sob ameaças foi Ilda Ribeiro De Souza, mais conhecida como Sila. Ela entrou nocangaço aos 14 anos, sendo levada pelo cangaceiro Zé Sereno, sob a ameaça de represáliascontra sua família. Inicialmente ameaçada e estuprada assim como Dadá mais assim como talcom o passar do tempo, desenvolveu uma relação com Zé Sereno. Sila frequentementechorava durante os tiroteios com as forças volantes. Segundo relatado no livro Lampião,Cangaço e Nordeste25, sua entrada no grupo ocorreu em 1936, após seu sequestro, e elapermaneceu nele até 1938, quando ocorreu o trágico "massacre de Angico".O ingresso de Sila no Cangaço ocorreu mediante ameaça de Zé Sereno,devido ao terror que os cangaceiros exerciam sobre as pessoas. A mulhersertaneja, ao ser escolhida, não tinha outra alternativa senão ceder. Sobrea permanência no Cangaço, Sila relatou em seu livro “Sila: memórias deguerra e paz”, a vida árdua e sofrida que tinham, fazendo longascaminhadas, comendo e bebendo pouco e enfrentando a volanteconstantemente, “eu não tinha sequer um abrigo, um canto para dormir.Na chuva, no sol e no sereno, era tudo ao relento” (OLIVEIRA, 1996, p.32).Diante das distintas circunstâncias que levaram as mulheres a ingressarem no cangaço,torna-se evidente a interseção dos marcadores sociais de gênero e classe em suas trajetórias devida. Essas mulheres enfrentavam situações financeiras extremamente adversas,principalmente durante os períodos de seca que assolavam o sertão nordestino. Nessecontexto, a decisão de se juntar ao cangaço também representava uma oportunidade demelhoria de vida, por meio dos recursos financeiros que o envolvimento no movimentopoderia proporcionar. Portanto, o cangaço também era percebido como uma rota de ascensãoeconômica. É crucial destacar que mulheres provenientes de famílias abastadas tambémintegravam o cangaço, contrariando o estigma de que todas as integrantes estavam vinculadasa elementos criminosos. Conforme mencionado por Dadá em uma entrevista subsequente aocangaço:(...) gente de bem, gente de família , filhas de fazendeiros, tudo moça,mas teve também mulher casada que foi pro grupo. Maria de Lampião eMariquinha de Anjo Roque eram casadas e se apaixonaram e fugiram probando. As outras eram todas moças,meninas,filhas de gente de recursos26(Dias, 1989, p. 34-35).26 DIAS, ,José Umberto. Dadá. 2 edição, Salvador:EGBAF/Fundação Cultural do Estado da Bahia,1989 p.34-35.25 LIMA, Aglae. Lampião, Cangaço e Nordeste.Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1970.É importante destacar a complexa interação entre gênero e classe social, pois estaúltima não se limitava apenas ao poder aquisitivo, mas também à posição ocupada naestrutura social. Além disso, o território desempenhava um papel crucial nas vivências dasmulheres sertanejas. O sertão nordestino da época era uma região caracterizada por condiçõesclimáticas adversas, agravadas pelo modelo político coronelista que explorava tanto apopulação quanto a terra, sem qualquer investimento na qualidade de vida das pessoas ou nadisponibilidade de bens e serviços essenciais.(...) a origem e o poder aquisitivo dessas mulheres – ou melhor, de suasfamílias - evidenciam que em alguns casos o cangaço se configuravanuma oportunidade de saírem dos padrões convencionais estabelecidospela sociedade, ou seja, que poderiam conquistar outros espaços além daesfera privada do lar, à qual estavam predestinadas. Além disso, sugereque poderiam “escolher livremente” seus parceiros sem a interferênciados acordos familiares. Contudo, cabe ressaltar que a incorporaçãofeminina no cangaço nem sempre se pautava na espontaneidade; emalguns casos a coerção e o medo foram os fios condutores (Freitas, 2005,p. 120).Dessa forma, a escolha de ingressar no cangaço representava não apenas uma buscapor melhorias econômicas, mas também uma forma de resistência contra as adversidadessocioeconômicas e políticas que caracterizavam o contexto sertanejo da época. A interseçãoentre gênero, classe social e território moldou as experiências únicas dessas mulheres nocangaço, oferecendo uma compreensão mais abrangente das complexidades desse movimentoe de suas motivações.Outro fator de extrema relevância a ser abordado reside na intrincada interação entre oamor e a obrigação que impulsionaram a entrada e a persistência das mulheres no cangaço. Éimperativo enfatizar que o ambiente cangaceiro estava longe de ser um refúgio ideal para asmulheres, pois dentro desse contexto prevaleciam normas e restrições estritas que delineavamminuciosamente os parâmetros de suas ações. Tais restrições chegavam ao extremo decontemplar punições severas,como a pena de morte, como dolorosamente ilustrado pelotrágico exemplo de Lídia, cuja história foi minuciosamente documentada por Daniel LinsSoares em sua obra “Lampião: O Homem que Amava as Mulheres – O Imaginário doCangaço”:Lídia, descrita como a mais bela das cangaceiras, era casada com ZéBaiano, mas seu comportamento excessivamente libertino, envolvendo-secom outros membros solteiros do bando quando seu marido estavaausente, culminou em uma situação crítica. Lídia foi amarrada duranteuma longa noite, enquanto seu companheiro deliberava sobre seu destino.Ela apelou para a clemência de Lampião e Maria Bonita, no entanto, ocasal optou por não intervir.Ela enfrentou uma morte brutal, sendoespancada até a morte ao amanhecer. Seu rosto, outrora belo, ficouirreconhecível. Zé Baiano a sepultou em uma cova rasa, enquantolágrimas de pesar inundavam seus olhos. Ele estava cumprindoestritamente a determinação do Código de Honra do Cangaço (AUTOR,ANO, p. ?).Assim, a história de Lídia culminou em um trágico epílogo, marcando profundamentea complexa teia de emoções e obrigações que permeavam a vida das mulheres no cangaço.Outro aspecto relevante a ser destacado no contexto da entrada das mulheres no cangaço é acomplexidade dessa questão. Longe de ser uma questão simplista, essa dinâmica suscitoudebates e controvérsias dentro do próprio bando cangaceiro. Alguns membros contestavam ainclusão das mulheres, argumentando que isso enfraqueceria a coesão do grupo, comoevidenciado por Adriana Negreiros em seu livro "Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheresno Cangaço".De acordo com Negreiros, embora a maioria dos cangaceiros tenha se aproveitado dasnovas regras estabelecidas após a entrada de Maria de Déa para formalizar casamentos, haviaaqueles que viam essa decisão como temerária. Por exemplo, Balão compartilhava da opiniãode Sinhô Pereira, um ex-chefe de Lampião, que via a presença das mulheres como umelemento de perdição para o cangaço. Argumentava-se que a presença femininainevitavelmente traria intriga e ciúmes ao grupo de homens. Para bandoleiros como Balão,mesmo que fosse agradável ter uma mulher ao lado como amante, isso poderia dificultar acapacidade de lutar incansavelmente. A preocupação era que, ao primeiro sinal de perigo,uma das mulheres gritaria: "Ai, corre, corre!" (Negreiros,2003, p. 44).A entrada de Maria Bonita no universo cangaceiro , até então dominado pelos homens,é tido como um marco para a história do movimento, depois dela ,várias outras mulheresseguiram seu exemplo e se uniram aos bandos de cangaceiros. Elas se tornaram parte ativadas atividades dos grupos, compartilhando dos riscos e desafios enfrentados pelos homens.(...) A mulher cangaceira representou, de fato, uma ameaça à ordemsimbólica do cangaço; mais ainda, à ordem simbólica sertaneja, sociedadena qual as bases materiais ou imaginárias dessa ordem pertenciam adesordem instituída. A mulher vai, pois, nesse contexto, aparecer como amatriz de verdadeiros agenciamentos coletivos de sociabilidade nointerior do cangaço (...) (Lins, 1997. p. 122).O papel das mulheres no cangaço era altamente diversificado, dependendo dasparticularidades de cada grupo de cangaceiros e das necessidades específicas que surgiam aolongo de suas jornadas. Semelhante aos homens, as mulheres desempenhavam papéismultifacetados e desafiadores dentro dos bandos. De acordo com Freitas27 é relevante27 FREITAS, Ana Paula Saraiva de. A presença feminina no cangaço: práticas e representações (1930-1940).Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNESP, 2005.observar que embora as mulheres portassem e manejassem armas, a exceção notável eraDadá, que se destacava por atuar diretamente na linha de frente dos combates.A cangaceira Dadá tornou-se uma das figuras mais emblemáticas docangaço em função de sua participação direta nos embates com asvolantes, nas invasões a cidades e povoados. Enfim, destaca-se,sobretudo, por sua prática e postura belicosa, imagem que faz questão dealimentar mesmo após o fim do cangaço (Freitas, 2005, p. 132).No entanto, isso não significa que as demais cangaceiras não desempenham papéiscruciais nas operações dos bandos mesmo sendo seu papel principal o de afetivo-sexual ouseja sua principal função era estar a todo momento disponível sexualmente para seus parceiros(Negreiros, 2018).O ingresso das mulheres no bando permitiu a redivisão do trabalho e a reprodução dospadrões sertanejos correntes no interior da comunidade nômade que se sentia semperspectivas de volta a se tornar sedentária. As mulheres não eram “guerreiras” e tinhamsomente armas de defesa, armas curtas. Eram “defendidas” pelos homens de quem eramcompanheiras e amantes . Algumas chegavam a ser mãe de crianças que entregavam a pessoasde confiança, em geral influentes e “recursadas”, para cria-las.” (Parlim ,2015)Alguns sobreviventes do cangaço são firmes quando afirmam que levavam a vidacomo qualquer dona de casa da época desmistificando a visão e crença que tinham que essasmulheres não passavam de bandoleiras. A mulher no cangaço não tinha como missãoprincipal se torna uma guerreira apenas tinham como alvo aprender defesa pessoal e suaprincipal função era se manter o mais feminina possível:Mulher para eles, pra se vestir, luxar, para carinho deles, aprontarcomida, palestras uma com as outras, mas dentro de um devidorespeito, cada qual respeitava a mulher dos companheiro de patrão...eraótimo. Costuravam, cada qual tratava de luxar da melhor forma(....)cada uma queria ser melhor do que a outra28” (Dadá, ANO, p. ?).No entanto, a vida da cangaceira era notavelmente distinta daquela da sertaneja comum,diferenciando-se em diversos aspectos. Ao contrário das sertanejas tradicionais, ascangaceiras não estavam vinculadas às tarefas diárias como o trabalho na lavoura ou a buscapor água. Essa liberdade proporcionava-lhes uma existência mais privilegiada e elevada emcomparação com as mulheres do sertão. Essa distinção não se limitava apenas à ausência deobrigações trabalhistas, mas também se refletia na divisão do trabalho doméstico, onde ascangaceiras desempenhavam papéis específicos que contribuíam para uma dinâmicadiferenciada. Além disso, sua condição era evidenciada pelo cuidado dedicado à aparência,28 Assim era Dada: A vida pós cangaço de Sérgia da Silva Chagas.Direção de Manoel Neto.2019.Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=rlo0A2bMKZU Acesso em 29 de novembro de 2023.https://www.youtube.com/watch?v=rlo0A2bMKZUpois estavam sempre bem vestidas e perfumadas. Essa qualidade de vida diferenciada,marcada pela liberdade das tarefas árduas e pela atenção ao cuidado pessoal, destacava asingularidade da experiência das cangaceiras em meio ao cenário sertanejo.Nos lares convencionais do sertão nordestino, além da higiene e daarrumação da casa, cabia às mulheres o cuidado das crianças. Asmais pobres ainda trabalhavam na roça com os maridos, e havia asque faziam bicos para aumentar a renda, como trabalhos de costura epreparo de doces que podiam ser vendidos nas feiras e pequenoscomércios da região. Do ponto de vista restrito ao trabalhodoméstico, pode se dizer que as cangaceiras tinham uma vida maisprivilegiada do que a média das sertanejas (NEGREIROS, ANO, p. 72).O fato de não estarem diretamente no campo de batalha não significa que elas nãotinham função nos grupos, as cangaceiras frequentemente exerciam funções que contribuíampara o bem-estar e o sucesso dos bandos principalmente através da influência que tinhamsobre esses cangaceiros o que reduziu drasticamente as ações violentas dos bandos. Ementrevista ao Viviana e Neto, para o documentário Feminino Cangaço (2013), a ex-cangaceiraAdíla, declarou intervir em situações de assassinato de “pessoas inocentes”, fazendo apelospela vida da vítima. Assim os bandoleiros procuravam evitar a execução de atos violentos nafrente de suas companheiras. Além disso “[...] Quando estavamacompanhados de suasmulheres, os cangaceiros evitavam as aventuras extraconjugais, o que contribuía paradiminuir a ocorrência de estupros” (NEGREIROS, 2018, p. 52).No entanto,é crucial salientar que , mesmo desempenhando certas funções nocangaço, a mulher ainda estava sujeita à submissão masculina, e frequentemente sua posiçãonão diferia significativamente daquela de outras mulheres da época.Um exemplo ilustrativodessa dinâmica pode ser encontrado na conhecida rotina da cangaceira, como retratado namarchinha de carnaval do compositor Reginaldo Regis:“Acorda Maria Bonita.Levanta vai fazer o caféQue o dia já vem raiandoE a polícia já tá de pé”A análise do trecho revela que, apesar das múltiplas responsabilidades que as mulheresdesempenhavam no cangaço, elas ainda se viam submissas aos homens , sendo compelidas acumprir não apenas suas funções específicas no grupo, mais também as expectativastradicionais associadas ao papel da mulher na sociedade da época.Outro aspecto relevante a ser destacado com a entrada das mulheres no cangaço dizrespeito à questão da moda e da aparência pessoal. A presença das cangaceiras no movimentotrouxe consigo uma série de mudanças na forma como a moda e a vestimenta eram percebidase utilizadas dentro dos bandos.De acordo com Ferreira e Araújo (2011) a estética destaca-seainda mais em sua representatividade depois do toque de feminilidade dado com o acesso dasmulheres ao bando.No cangaço, as vestimentas transcenderam a mera função de trajes cotidianos;tornaram-se manifestações profundas de identidade e resistência. Cada peça de roupa, adereçoou lenço desempenhava um papel crucial na construção da imagem das cangaceiras,transmitindo mensagens sutis, mas extraordinariamente poderosas, sobre suas identidades eprincípios.No que tange à estética cangaceira , Frederico Pernambucano de Mello ressalta de maneiraesclarecedora: “Nenhuma outra marca crava mais fundo no inconsciente coletivo da região”(Mello,2012). Essa observação evidencia a importância não apenas individual, mas tambémcoletiva, da estética do cangaço. As vestimentas, ao tornarem-se parte indissociável doimaginário regional, transcendem o aspecto visual para se tornarem símbolos arraigados naconsciência coletiva.Para o "rei do cangaço", vestir-se bem não era apenas uma questão de vaidade; erauma estratégia essencial para alcançar o triunfo em meio aos desafios do cangaço. A assertivade Bastos (2009:108), que afirma que "Vestir-se bem era essencial para triunfar", destaca apercepção de Lampião sobre a importância da vestimenta não apenas como expressão estética,mas como uma ferramenta fundamental para o sucesso em seu contexto desafiador.Imagem 10: Lampião, Corisco e Maria Bonita.Fonte: Benjamim Abrahão.Lampião já evidenciava suas habilidades na confecção de vestimentas e possuía umapurado senso estético antes mesmo da inclusão das mulheres em seu bando. Com a entradafeminina, a representação dos cangaceiros adquiriu uma perspectiva menos agressiva,conforme analisado por Ferreira (2009). Luciano Gutembergue Bonfim Chaves complementaessa visão, ressaltando que o estilo e a singularidade dos cangaceiros passaram por umprocesso inovador, especialmente nos detalhes das indumentárias. Nesse contexto, as peçasganharam maior harmonia, incorporando bordados coloridos inspirados na rica flora dacaatinga, nos intrincados arabescos presentes nos tecidos trazidos pelos mascates, entre outrasreferências (...) (Ferreira; Araújo, 2011).Uma destacada costureira no contexto do cangaço, além de Maria Bonita, foi Dadá.Conforme relatado por Ferreira e Araújo (2011), em 1932, Dadá concebeu e confeccionou oprimeiro par de bornais ornamentados com flores em cores vibrantes. Surge a incerteza acercadas intenções de Lampião ao permitir que a cangaceira adote essas novas variações narepresentação visual dos cangaceiros. Esta significativa contribuição de Dadá à estética docangaço evidencia não apenas sua destreza na confecção, mas também a influência dasmulheres na construção da identidade visual do grupo, aspecto crucial para a compreensãomais ampla desse período histórico.Imagem 11: Bornais de lampião.Fonte: Ingryd Alves.Um aspecto notável na vida das mulheres da época destacava-se pela presençamarcante da violência que permeava a sociedade, proveniente tanto dos cangaceiros quantodos volantes e das autoridades. Esta violência constituía uma realidade constante eassustadora que essas mulheres enfrentavam diariamente. Pode-se até compará-la a cenas defilmes de terror, não no sentido fictício, mas sim como uma representação vívida da durarealidade que elas enfrentavam (Negreiros, 2016).Um exemplo chocante dessa agressividade voltada às mulheres comuns da sociedadefoi registrado no Jornal A Noite, em 1932, quando relatou-se um terrível incidenteenvolvendo José Baiano, um cangaceiro notório por sua ferocidade. Nesse incidente, elemarcou o rosto de Maria Marques com ferro quente, inscrevendo suas iniciais "JB". Esse atode violência evidencia a crueldade com a qual algumas mulheres eram tratadas, além dedestacar a falta de proteção para as mulheres nas áreas afetadas pelo cangaço.Imagem 12: A agressividade do cangaço.Fonte: Jornal A Noite, início de 1932.No entanto, as cangaceiras também eram confrontadas com uma ameaça constante dasvolantes, que eram as milícias encarregadas de perseguir e capturar os cangaceiros. Essasforças de segurança frequentemente desencadeavam ataques violentos contra os bandos decangaceiros, resultando em confrontos fatais que deixavam um rastro de morte e destruiçãoem seu caminho. Surpreendentemente, as cangaceiras não eram poupadas desses terríveisconflitos; elas encaravam o mesmo perigo de forma ainda mais repugnante que seuscompanheiros cangaceiros. Como evidenciado no livro Maria Bonita:sexo,violencia emulheres no cangaço,"muitos soldados tinham o costume de punir tais crimes com as própriasmãos – ou, ainda mais chocante, com o próprio pênis"(Negreiros,2018, p. 53), intensificandoainda mais a brutalidade enfrentada pelas mulheres no sertão.Um exemplo notório dessa violência é relatado no livro Lampião: as mulheres e ocangaço29, no qual é apresentado o caso da cangaceira Neném que depois de morta teve seucorpo violentado sexualmente por cães que foram estimulados por soldados para praticar talação. Além disso, outro fato, relatado para Amaury(1994) por um ex-soldado foi ocomportamento bárbaro e insano dos soldados que consideraram um troféu macabro ,cortar avagina de uma cangaceira não identificada e expô-la.Dadá, ao compartilhar sua experiência no cangaço em uma entrevista30 traz à tonaquestões cruciais sobre o uso da violência pelos cangaceiros em relação às mulheres do grupo.Isso inclui o tratamento brutal das cangaceiras que se envolviam em relacionamentos30 Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=OKOSwSkD0d0.29 AMAURY,Antonio.Lampião e as mulheres e o Cangaço.Recife:Fundação Joaquim Nabuco,1994.https://www.youtube.com/watch?v=OKOSwSkD0d0amorosos consensuais, resultando em assassinatos horrendos. Essa dinâmica revela uma clarademonstração do domínio masculino sobre o corpo feminino, onde as mulheres eramfrequentemente vistas como propriedades dos cangaceiros.No contexto do cangaço, a violência manifestava-se de maneiras diversas eangustiantes, sendo acompanhada por um lema que ecoa até os dias atuais: “Não basta matar,é preciso aniquilar o corpo feminino31”. O estupro, infelizmente, era uma prática comumperpetrada por ambos os lados, ainda que de forma ambígua por parte dos cangaceiros.Nogueira (2020) destaca que para eles, paradoxalmente, o estupro, entendido como umaviolação, era frequentemente praticado, incluindo casos de estupros coletivos popularmenteconhecidos como Gera.Negreiros (2018) relata um dos inúmeros casos de estupro cometidos por Lampião eseu bando. Em um incidente chocante,uma mulher casada com um homem de 80 anos foivítima da brutalidade de Lampião, que, inconformado com a situação, degolou o idoso eagrediu e estuprou a esposa, sendo Lampião o primeiro a violar a vítima. Esse tipo de ritualera comumente empregado, especialmente entre as mulheres dos inimigos do cangaço. Noentanto, essa brutalidade não era exclusiva dos cangaceiros; os volantes também aempregavam. Um dos casos mais notórios foi a morte de Maria Bonita, que foi encontradacom um pedaço de madeira cravado em sua genitália, evidenciando o machismo e a misoginiapredominantes na época.Maria estava com uma bacia na mão quando levou o primeiro tiro nabarriga. [...]. Conforme contaria depois, o soldado Godoy ignorou ossuplícios da cangaceira para que a deixasse viver. [...]. Ele não sesensibilizou. Com um só golpe, arrancou-lhe a cabeça, ainda com vida.[...]. Depois de se livrar da trabalhosa tarefa, ainda de acordo com ahistória contada pelo próprio Godoy, usou a boca do fuzil para levantara parte debaixo do vestido de Maria. Chamou a atenção dos outrossoldados para a cor da calcinha que ela usava naquela manhã. Eraencarnada, como descreveria. [...]. Deixaram os corpos decapitadosdos bandoleiros ao relento, para deleite dos urubus. O de Maria seriaabandonado com as pernas abertas e um pedaço de madeira enfiado navagina. [...]. Quando Maria Gomes de Oliveira morreu, nasceu MariaBonita (NEGREIROS, 2018, p. 233-235).No cenário do Cangaço, a gestação era um desafio de proporções enormes para asmulheres envolvidas, dado o meio e às condições em que viviam a gravidez era sempre derisco.32 Elas eram compelidas a seguir os bandos, mesmo em estágios avançados de gravidez.32 Disponível em : https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5625711 Acesso em 30 de novembro de 2023.Disponível em : https://www.scielo.br/j/cpa/a/MGbm8cxwhgDWrRnVs4fw5pb/ Acesos em 30 de novembro de2023.31 Disponível em :https://www.youtube.com/watch?v=JzKTjjqDrXE Acesso em 30 de novembro de 2023.https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5625711https://www.scielo.br/j/cpa/a/MGbm8cxwhgDWrRnVs4fw5pb/https://www.youtube.com/watch?v=JzKTjjqDrXEEssa imposição as submetia a longas jornadas sob o inclemente sol do sertão, à sede, à fome,frequentemente sem qualquer oportunidade de repouso. Além das adversidades ambientais,enfrentavam as complexidades próprias da gravidez, incluindo náuseas, sensibilidade aodores, dores e exaustão, tudo em condições extremamente desafiadoras (Moraes, Pordeus,Amorim, 2022)33.A situação tornava-se ainda mais angustiante, considerando que as gestantes estavam àmercê do iminente risco de dar à luz em cenários completamente improvisados. Issofrequentemente ocorria em tendas precárias no meio do árido ambiente da caatinga ou sob asombra de árvores, sem a assistência de parteiras experientes ou qualquer suporte médico.(Moraes, Pordeus, Amorim, 2022). Um exemplo trágico ilustra vividamente essascircunstâncias. O livro “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço,” de AdrianaNegreiros, relata o caso de Adelaide:Uma cangaceira que engravidou logo após ingressar no Cangaço. Duranteo estágio final de sua gravidez, ela encontrava algum descanso em umcoito, mas uma súbita ameaça das forças volantes a forçou a abandonar arelativa segurança do acampamento. Enquanto fugia, entrou em trabalhode parto, mas não podia parar. Quando finalmente chegou a outro coito, játinha exaurido todas as suas forças na longa jornada e não teve condiçõesde dar à luz. Um destino trágico, com a mãe e o bebê perdendo a vidaainda no ventre materno (Negreiros, 2018, p. ?).No contexto do Cangaço, quando uma criança sobrevivia, a situação era igualmentetrágica. Apesar de gerar e dar à luz a seus bebês, as cangaceiras não podiam praticar amaternagem34. A vida no Cangaço era incompatível com a presença de bebês e crianças, poisrepresentavam um risco potencial significativo( Moraes , Pordeus, Amorim , 2022). Ascrianças exigiam cuidados específicos e atenção constante, e qualquer descuido poderia trair alocalização do bando para as forças volantes, além de deixar rastros evidentes, como fraldasusadas.Devido a essas circunstâncias, tornou-se uma prática recorrente entre os cangaceiros abusca por famílias dispostas a acolher e proteger seus filhos rapidamente. Essas famíliasadotivas geralmente eram selecionadas por sua capacidade de proporcionar educação e ummínimo de conforto às crianças. Em alguns casos, indivíduos de destaque social, como juízese padres, assumiram essa tarefa (Negreiros,2018). É relevante ressaltar que, em muitassituações, essas famílias adotivas não mantinham qualquer relação de parentesco com os paisou mães cangaceiros.34 técnica empregada na psicoterapia, esp. das psicoses, que busca estabelecer entre terapeuta e paciente, nosimbólico e no real, uma relação semelhante à que existiria entre uma "mãe boa" e seu filho.33 Disponível em : https://www.scielo.br/j/cpa/a/MGbm8cxwhgDWrRnVs4fw5pb/ Acesos em 30 de novembrode 2023.https://www.scielo.br/j/cpa/a/MGbm8cxwhgDWrRnVs4fw5pb/No que diz respeito à complexa experiência da maternidade e da doação de filhos,umexemplo notável envolve a cangaceira Dadá, conforme destacado por Negreiros (2018). Deacordo com seus registros, Dadá enfrentou cinco gestações durante sua permanência noCangaço.No entanto, sua própria narrativa revela um total de sete gravidezes, das quais quatroresultaram em tragédia, “restando-lhe três filhos sobreviventes: Sílvio, Maria do Carmo eCeleste”, (Dias, 1989, p. 20).No instante em que deu adeus ao bebê, Dadá sentiu, conforme definiriaum dia, a maior dor do mundo. (...) Uma vez que os filhos nascessem,deveriam passá-los adiante, na primeira oportunidade. Frágeisrecém-nascidos não combinavam com a bruta rotina do cangaço, entreespetadas de sol e chuvas de tiro (NEGREIROS, ANO, p. 46).Imagem 13: Dadá grávida,1936.Fonte: Domínio público apud. Acervo: Fundação Joaquim Nabuco.Um dos filhos sobreviventes do casal de cangaceiros Corisco e Dadá é Sílvio Bulhões,sendo o quinto filho dessa união notória. Em uma entrevista publicada no site História deAlagoas 35, Silvio revelou uma curiosa perspectiva de sua infância: ele não apreciava quandoas pessoas o identificavam como "Filho de Corisco". Em suas próprias palavras, ele descreveusuas respostas como impetuosas e desrespeitosas, o que é surpreendente, considerando a tenraidade na qual tinha conhecimento de tantos termos inapropriados para expressar seudescontentamento perante tal associação.Entretanto, ao crescer, Sílvio empreendeu uma luta para assegurar que a cabeça de seupai fosse sepultada de maneira apropriada, indicando uma complexidade emocional inerente àvida dessas crianças nascidas no contexto do Cangaço, onde o estigma da paternidade eraacompanhado por desafios peculiares e, muitas vezes, traumáticos.Imagem 14: Silvio Bulhões reivindicando a cabeça do pai , 1953.35 Disponivel em :https://www.historiadealagoas.com.br/silvio-bulhoes-o-filho-de-corisco-e-dada.html.Fonte: Entrevista à Revista O Cruzeiro no Colégio Guido de Fontgalland em Maceió.Essa vivência singular, caracterizada pelo estigma da paternidade, ressoa de maneiranotável na trajetória de Expedita Ferreira, filha de Maria Bonita e Lampião. Até os dias dehoje, em uma entrevista ao programa de Ana Maria Braga36, ela compartilha que seus filhosenfrentaram preconceitos, impedindo-os de brincar na casa de outros colegas simplesmentepor serem descendentes de Lampião, revelando a persistência de estigmas ligados à históriade sua família.Em uma última análise profunda e abrangente, podemos chegar à conclusão de que asmulheres do cangaço eram figuras excepcionalmente multifacetadas, cujas vidas sedesenrolaram em meio a desafios extraordinários e em um cenário de violência e adversidade.Ao contemplar histórias tão emblemáticas como a de Maria Bonita, Dadá, Cila e inúmerasoutras cangaceiras,somos confrontados com a constatação de que essas mulheres não sãoapenas figuras secundárias, mas sim protagonistas fundamentais do cangaço é por extensão ,na própria história do Brasil. Como destacado por Fanha:Da história do cangaçoMuito tem pra se saber: Enfeite e bala de açoConhaque para beber.A mulher participando,Sugerindo nesse bandoOutro jeito de viver (Fanha, 1997, p. 1).O cangaço , por ironia ou não , encontrou seu fim pelas mãos de uma mulher , SérgiaRibeiro, a valente Dadá, lutou até o fim pela causa que ali representava37, o que reforça aindamais a presença marcante das mulheres na narrativa desafiadora e multifacetada desse períodohistórico.37 Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=gH6Av7DOLAU Acesso em 03 de Dezembro de 202336 Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/11426294/ Acesso em 03 de dezembro de 2023.https://www.youtube.com/watch?v=gH6Av7DOLAUhttps://globoplay.globo.com/v/11426294/CAPÍTULO 4 - A IMAGEM FEMININA NO CANGAÇO ENTRE O FINAL DOSÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULOApesar de estarmos no século XXI, onde a historiografia avançou significativamente,as mulheres que participaram do cangaço ainda enfrentam desafios em suas representações,muitas vezes relegadas a papéis secundários na narrativa histórica. Ao explorar diversasmanifestações sobre o tema, seja em expressões artísticas, acadêmicas ou discursos orais, énotável a escassez de destaque dado às mulheres nessas narrativas (Viana, 2014). A partirdesse dado, no presente capítulo pretende-se analisar a representação das cangaceiras ao longodo tempo, especialmente no século XXI.Este capítulo se inicia com uma investigação sobre a representação das mulherescangaceiras nos séculos 20 e 21, utilizando a internet e suas plataformas, como o Google, paracompreender a imagem contemporânea dessas figuras históricas e como são percebidas edifundidas na era da informação. Os resultados apontam para a persistência de representaçõesromantizadas, destacando uma associação contínua a elementos emocionais e dramáticos,perpetuando estereótipos. Os resultados revelam a continuidade de representaçõesromantizadas, evidenciando uma associação persistente a elementos emocionais e dramáticos,perpetuando, assim, estereótipos enraizados. A investigação de casais notórios, comoLampião e Maria Bonita, destaca a permanência de abordagens românticas, enquanto aanálise de Corisco e Dadá aponta para uma tendência de subalternização das mulheres nanarrativa cangaceira, tanto no âmbito online quanto nas redes sociais.No contexto desta pesquisa, ao explorar as plataformas digitais, notadamente oInstagram e o YouTube, identificamos uma marcante ênfase desproporcional nas narrativasromânticas, que, de maneira preocupante, relegam outras contribuições significativas dasmulheres cangaceiras a segundo plano. A negligência em evidenciar figuras menosreconhecidas, a exemplo de Durvinha e Lídia, destaca a premente necessidade de umarepresentação mais abrangente e justa dessas mulheres, desafiando os estereótipos de gêneropersistentes e reconhecendo a singularidade de suas trajetórias no complexo contexto docangaço.A abordagem cinematográfica sobre as mulheres do cangaço revela uma problemáticarepresentação, evidenciada pela escassa presença feminina em apenas 12% das produçõescinematográficas temáticas do cangaço (LIMA, 2017). Quando representadas, as cangaceirassão muitas vezes subjugadas a narrativas românticas, reforçando a tendência de relegá-las aum papel secundário na cinematografia sobre o cangaço (CAROLINA, 2020). Este segundoponto visa uma análise crítica dessa representação, adotando uma perspectiva de gênero paratranscender as limitações das narrativas centradas nas mulheres, explorando as construçõessociais e culturais dos papéis femininos e masculinos no contexto do cangaço. Nesse sentido,pretende-se desvendar nuances complexas e desafiadoras sobre a representação dascangaceiras, destacando a importância de compreender não apenas a história do cangaço, mastambém como as narrativas contemporâneas moldam e perpetuam estereótipos de gênero.A representação das mulheres no contexto do cangaço é uma temática que transcendeas fronteiras das telas de cinema, estendendo-se ao universo musical. Ao explorarmos amúsica como fonte de construção imaginária, surge uma preocupante disparidade narepresentação de gênero, evidenciando a marginalização das cangaceiras em comparação comseus colegas masculinos. Uma análise detalhada de um LP produzido em 1984 pela gravadoraEldorado revela que apenas 12% das músicas abordam a perspectiva feminina no cangaço.Esse desequilíbrio é acentuado pela predominância de capas e títulos de músicas centrados emfiguras masculinas, como Lampião, destacando a necessidade urgente de uma análise críticadessa representação.Tal temática não se limita apenas à cinematografia e à música, estendendo-se demaneira significativa ao universo literário. A construção estereotipada em torno dessasmulheres não apenas influenciou negativamente a abordagem histórica, relegando-asfrequentemente a papéis secundários, mas também resultou, em muitos casos, na exclusãodeliberada de suas histórias dos registros históricos. De acordo com as observações de(PEDRO, 2010) e (LIMA, 2016), essas mulheres permaneceram nas sombras da historiografiapor um período prolongado, sendo apenas nos últimos anos que as pesquisas começaram alançar luz sobre suas experiências e contribuições.4.1 REPRESENTAÇÃO NA INTERNETPara o início de construção desse capítulo, a primeira ação foi uma busca na internetna plataforma google trends com as palavras “mulheres cangaço”38 para entender como aimagem dessas mulheres é apresentada e divulgada atualmente. O resultado da pesquisaconfirmou o que já era esperado: o imaginário popular ainda liga essas mulheres com palavrascomo sentimento exemplificando que mesmo nos dias de hoje, a representação dessasmulheres continua a ser moldada por elementos emocionais e dramáticos.Outro aspecto intrigante da pesquisa foi a comparação entre o casal de cangaceiros ,ao pesquisarmos as palavras-chave "Lampião " e "Maria Bonita". Verificou-se que, mesmo38 Disponível em:https://trends.google.com.br/trends/explore?q=mulheres%20no%20canga%C3%A7o&date=now%201-d&geo=BR&hl=pt-BR Acesso em 19 de Dezembro de 2023.https://trends.google.com.br/trends/explore?q=mulheres%20no%20canga%C3%A7o&date=now%201-d&geo=BR&hl=pt-BRhttps://trends.google.com.br/trends/explore?q=mulheres%20no%20canga%C3%A7o&date=now%201-d&geo=BR&hl=pt-BRnos dias atuais, elas são sempre ligadas a eles de modo romântico , quando eles são sempretidos como guerreiros galanteadores.A exemplo disso podemos observar o modo como opróprio google classifica ambos, enquanto ele é tido como músico ela é tida como esposadele.Imagem 15: Pesquisa por Lampião e Maria Bonita.Fonte: Google-Acesso em 20 de dezembro de 2023.Outro exemplo notável dessa dinâmica ocorre no caso do relacionamento entreCorisco e Dadá. Ao conduzirmos uma pesquisa na plataforma Google Trends39, Observamosque Corisco é frequentemente identificado por seu apelido "Diabo Loiro", enquanto Dadá éreconhecida como "a mulher de Corisco". Além disso, uma análise mais aprofundada revelaque as buscas por Corisco são aproximadamente seis vezes mais frequentes do que asrelacionadas a Dadá na plataforma. Esses dados evidenciam uma persistente tendência emrelegar Dadá a um papel secundário na narrativa, perpetuando a ideia de que ela é uma figuracoadjuvante, nunca a protagonista principal, ao longo do tempo.Imagem 16: Gráfico Corisco (Azul) X Dadá (Vermelho).Plataforma Google Trends- 26/12/2023.É importante destacar que, ao buscar notícias sobre mulheres no cangaço naplataforma popular do Google40, As notícias frequentemente priorizam o relato exclusivo40 Disponível em:https://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ439 Disponível em:https://trends.google.com.br/trends/explore?date=now%201-d&geo=BR&q=corisco,dada%20cangaceira&hl=ptAcesso em 26 de dezembro de 2023.https://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newshttps://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newshttps://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newshttps://trends.google.com.br/trends/explore?date=now%201-d&geo=BR&q=corisco,dada%20cangaceira&hl=ptsobre Maria Bonita muitas vezes em associação à sua história de amor com Lampião,relegando ao segundo plano a existência dela como mulher e de outras cangaceiras. Quandose procura por essas mulheres, é comum encontrá-las sempre vinculadas a narrativasromânticas, centradas nos seus respectivos cangaceiros, como se as experiências individuaisdas demais cangaceiras fossem subjugadas ou ignoradas.Ao investigar outras cangaceiras menos reconhecidas na história, constatamos queesse agravante se intensifica progressivamente. Tomemos, por exemplo, a cangaceiraDurvinha; as pesquisas associadas a ela frequentemente a vinculam ao seu parceiro,enfocando a narrativa no contexto do último casal do grupo de Lampião41. Essa abordagemnegligencia seus feitos individuais e a rica história da mulher notável que Durvinharepresentou no contexto abrangente do cangaço.Ao examinar as redes sociais na contemporaneidade, é evidente que a imagem deMaria Bonita está frequentemente vinculada à de Lampião, com pouca ênfase dadaexclusivamente a ela ou às outras mulheres envolvidas no cangaço. Para ilustrar essaobservação, ao conduzirmos uma pesquisa sobre o cangaço em uma das redes sociais maispopulares no Brasil, o Instagram, observe se que a imagem dela está sempre ligada a delenuma tentativa de resumir seus feitos apenas na história de amor mais marcante do seutempo42.Não apenas no Instagram, mas também em plataformas de vídeo como o YouTube,percebemos que a grande maioria dos vídeos sobre mulheres no cangaço43 se concentraprincipalmente em suas histórias de amor com os cangaceiros, deixando de abordar aspectosmais abrangentes de suas vidas, feitos e a verdadeira realidade do meio em que estavaminseridas.Para ilustrar essa dinâmica, analisamos o vídeo mais acessado na plataforma sobre ocangaço, com uma média de 479 mil visualizações em um período de 10 meses. Um ponto deproblematização imediato é que o título não aborda especificamente o papel das mulheres no43 Disponível em: https://www.youtube.com/results?search_query=mulheres+no+cangqaco+ Acesso em 21 deDezembro 2023.42 Disponível em: https://www.instagram.com/explore/tags/canga%C3%A7o/ Acesso em 27 de Dezembro de2023.41 Disponível em:https://www.google.com/search?q=durvinha&sca_esv=593771333&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlfXgG6oQcOc68SE-aYE4BZKmCC8w:1703600158096&source=lnms&sa=X&ved=2ahUKEwj7x4ySpa2DAxWILrkGHdTJCYkQ_AUoAHoECAIQCg&biw=1366&bih=599&dpr=1 Acesso em 26 deDezembro de 2023.dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-news Acesso em 19 de Dezembro de 2023.https://www.youtube.com/results?search_query=mulheres+no+cangqaco+https://www.instagram.com/explore/tags/canga%C3%A7o/https://www.google.com/search?q=durvinha&sca_esv=593771333&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlfXgG6oQcOc68SE-aYE4BZKmCC8w:1703600158096&source=lnms&sa=X&ved=2ahUKEwj7x4ySpa2DAxWILrkGHdTJCYkQ_AUoAHoECAIQCg&biw=1366&bih=599&dpr=1https://www.google.com/search?q=durvinha&sca_esv=593771333&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlfXgG6oQcOc68SE-aYE4BZKmCC8w:1703600158096&source=lnms&sa=X&ved=2ahUKEwj7x4ySpa2DAxWILrkGHdTJCYkQ_AUoAHoECAIQCg&biw=1366&bih=599&dpr=1https://www.google.com/search?q=durvinha&sca_esv=593771333&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlfXgG6oQcOc68SE-aYE4BZKmCC8w:1703600158096&source=lnms&sa=X&ved=2ahUKEwj7x4ySpa2DAxWILrkGHdTJCYkQ_AUoAHoECAIQCg&biw=1366&bih=599&dpr=1https://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newshttps://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newshttps://www.google.com/search?q=mulheres+no+cangaco&sca_esv=592487198&bih=911&biw=1920&rlz=1C1VDKB_pt-PTBR1085BR1085&hl=pt-BR&tbm=nws&sxsrf=AM9HkKlhXkJJN55Eu8ckaHS2CuI5AFAkwA%3A1703072990144&ei=3tSCZbC7CLK45OUPn7W50Ag&ved=0ahUKEwiwouqk-Z2DAxUyHLkGHZ9aDooQ4dUDCA0&uact=5&oq=mulheres+no+cangaco&gs_lp=Egxnd3Mtd2l6LW5ld3MiE211bGhlcmVzIG5vIGNhbmdhY29I-QtQ5AZY0QdwAHgAkAEAmAHaAaABnwSqAQUwLjIuMbgBA8gBAPgBAYgGAQ&sclient=gws-wiz-newscangaço44. Ao assistir ao vídeo, constatamos que a mulher é consistentemente retratada como"a mulher de tal cangaceiro", conferindo-lhe constantemente o papel de pertencer a alguém natrama. Essa abordagem reitera a tendência de colocar as mulheres do cangaço em um contextosubalterno, destacando-as principalmente em relação aos cangaceiros masculinos, em vez deexplorar suas histórias e contribuições individuais.Imagem 17: Vídeo sobre o cangaço.Fonte: Youtube- 27 de Dezembro de 2023.Na era da internet, um ponto de destaque é a escassez de informações disponíveissobre cangaceiras menos reconhecidas na história, embora tenham desempenhado papéisnotáveis. Um exemplo emblemático é Lídia, considerada uma das cangaceiras mais belas docangaço. Ao realizar uma pesquisa na plataforma Google, seu nome é predominantementeassociado a Zé Sereno e à sua trágica morte causada por ele.É relevante notar que algumas fontes, como o Portal Mulheres no Cangaço45, retratamLídia como uma figura fogosa, sugerindo que sua morte foi decorrente de suas própriasescolhas, negligenciando assim a brutalidade do assassinato perpetrado por Zé Baiano. Essadiscrepância ressalta a disparidade na representação histórica entre cangaceiros e cangaceiras.Imagem 18 : Lídia sempre relacionada a Zé Baiano.45 Disponível em : https://mulheresdocangaco.com.br/project/lidia-a-bela-cangaceira/ Acesso em 26 dedezembro de 2023.44 Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=92emtSqR19AAcesso em 26 de dezembro de 2023.https://mulheresdocangaco.com.br/project/lidia-a-bela-cangaceira/https://www.youtube.com/watch?v=92emtSqR19AFonte: Google Imagens-Lídia- 26/12/2023.Outro aspecto relevante a ser considerado sobre essas mulheres é a maneira como, emalguns meios midiáticos, são frequentemente reduzidas a seus corpos e suas relações com seusrespectivos parceiros. Um exemplo ilustrativo desse enfoque pode ser encontrado em umartigo do jornal Estado de São Paulo, datado de 1933.(...) Composto de 23 pessoas: Lampião,19 cabras e 3 mulheres - 3verdadeiras megeras; todos fardados de Brim Kaki, bem montados,armados de fuzil e rifle, trazendo farta munição; conduziam também,punhais e revolveres à cinta. Roubavam dinheiro, fazendas, joias, moedasantigas de ouro e prata (…) (O Estado de São Paulo 20/07/1933).Destaca-se uma notável discrepância na maneira como os jornais da época abordavamhomens e mulheres do cangaço. Enquanto os homens eram referidos unicamente pelo nome,sem qualquer conotação negativa, as mulheres eram frequentemente descritas de formapejorativa, rotuladas como "verdadeiras megeras". Esse contraste evidencia a contribuição damídia da época para a perpetuação de estereótipos de gênero, atribuindo característicasnegativas específicas às mulheres envolvidas no cangaço.A persistência da disparidade no tratamento das mulheres do cangaço na mídia éevidente até os dias atuais, como exemplificado por uma matéria do Globo Repórter em202046. Nesse contexto, a reportagem continua a retratar a parceira como propriedade docangaceiro, dando enfoque especial a figuras como Maria Bonita de Lampião e Dadá deCorisco. A abordagem da reportagem é preocupante, pois romantiza de maneira alarmante ocaso de estupro cometido por Corisco contra Dadá, chegando ao ponto de ressaltar que, após oato, a vítima acabou se apaixonando. Este exemplo ilustra a urgente necessidade de reflexãocrítica sobre a forma como tais narrativas são abordadas pela mídia contemporânea,questionando a perpetuação de estereótipos prejudiciais e a romantização de situações deviolência.A persistência desses estereótipos acerca das mulheres no cangaço tem atravessado aspáginas da história por um extenso período. Ao longo das décadas, observamos a contínuaperenidade dessas representações, solidificadas em diversas formas de mídia, desde relatosjornalísticos até manifestações culturais, como a música e o cinema. Essa longevidade nãoapenas reflete a resistência à desconstrução desses estigmas, mas também aponta para anecessidade urgente de uma abordagem mais crítica e inclusiva na representação dascangaceiras. A compreensão de suas vidas e feitos requer uma quebra efetiva dos padrões46 Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=gH6Av7DOLAU Acesso em 27 de fevereiro de 2023.https://www.youtube.com/watch?v=gH6Av7DOLAUhistóricos que as relegaram a papéis secundários, proporcionando um olhar mais amplo ejusto sobre suas contribuições individuais para o complexo cenário do cangaço.3.2 Representação no CinemaAo procurar outras fontes que exploram a produção do imaginário, como filmes queadotam a temática do cangaço, nos deparamos com um dado problemático: apenas 12%dessas produções cinematográficas representam as cangaceiras (Lima, 2017). Quando elas sãorepresentadas, a tendência é concentrar as narrativas em suas histórias de amor,personificando-as predominantemente no contexto romântico (Carolina, 2020). Essaabordagem reitera e consolida o papel secundário atribuído às mulheres no cangaço,destacando a necessidade de uma análise crítica sobre como as cangaceiras são retratadas nastelas do cinema.Ao incorporar a perspectiva de gênero na análise da cinematografia das mulheres nocangaço, transpomos o enfoque restrito de simples narrativas históricas ou literárias centradasnas mulheres, adentrando uma esfera mais ampla de compreensão. Essa abordagem permiteexaminar a construção social e cultural dos papéis femininos e masculinos no contexto docangaço, destacando como os sujeitos se constituem e são moldados em meio às intrincadasrelações de poder. Da mesma forma que a introdução dessa categoria analítica gerou intensosdebates e algumas fraturas internas na academia, sua aplicação na análise cinematográficarevela nuances complexas e, muitas vezes, desafiadoras sobre a representação das mulheresno cangaço.Ao utilizar gênero, deixava-se de fazer uma história, umapsicologia, ou uma literatura das mulheres, sobre as mulheres epassava-se a analisar a construção social e cultural do feminino edo masculino, atentando para as formas pelas quais os sujeitos seconstituíam e eram constituídos, em meio a relações de poder. Oimpacto dessa nova categoria analítica foi tão intenso que, maisuma vez, motivou veementes discussões e mesmo algumasfraturas internas (Louro, 2002, p. 15).Segundo Gerson Wasen Fraga (2011), as representações cinematográficas,independentemente de sua fidelidade histórica, são construídas a partir do olhar subjetivo docineasta e de suas experiências pessoais (p. 36). Assim, as cenas do cangaço presentes nessasproduções fílmicas não apenas documentam eventos passados, mas também refletem ainterpretação contemporânea do passado. Isso nos leva a uma compreensão mais profunda decomo o tempo presente molda e influencia a narrativa cinematográfica sobre o cangaço, emespecial no que se refere às mulheres que participaram desse movimento. A interligação entreo presente e o passado no cinema nos instiga a questionar não apenas a representaçãohistórica, mas também as perspectivas e valores presentes na sociedade em que os filmes sãoproduzidos.Ao realizar uma análise inicial focada nas capas dos filmes mais procurados sobre ocangaço, torna-se evidente o papel secundário atribuído à mulher. Ao examinar 13 capas defilmes de diferentes épocas, é notável que nenhuma delas apresenta a mulher comoprotagonista. Em casos nos quais ela é representada, sua presença está constantementevinculada aos cangaceiros, relegando-a a uma posição secundária e muitas vezes subordinadana narrativa cinematográfica sobre o cangaço. Essa tendência ressalta uma lacunasignificativa na representação das mulheres nesse contexto histórico no cenáriocinematográfico.Imagem 19: Capas de filme sobre o Cangaço.Fonte: Google - 21 de Dezembro de 2023.Outro aspecto notável no panorama cinematográfico é a carência de obrasclassificadas como pertencentes ao gênero Nordestern (Mogadouro, 2018) que se dedicam àexploração aprofundada de personagens femininos. É essencial destacar que as representaçõesfemininas presentes no Nordestern frequentemente foram moldadas como construçõesimagéticas, uma projeção derivada da literatura e do olhar dos homens urbanos sobre o sertãoe suas habitantes. Esta representação, por sua vez, reflete um aspecto específico da realidade:o Brasil era predominantemente um país rural, tanto cultural quanto economicamente (Lima,2021). Este cenário salienta a influência das visões externas na construção da narrativacinematográfica do cangaço.Tomemos como exemplo a figura mais proeminente, Maria Bonita. Apesar dedesfrutar de notoriedade e reconhecimento, filmes que se concentram exclusivamente nela sãoraros e frequentemente não alcançam grande sucesso. As representações cinematográficas quea incluem frequentemente a associam a Lampião e à sua história de amor. Em contrapartida,Lampião acumula uma extensa filmografia que o destaca como protagonista principal desde1963, como evidenciado em "Lampião, O Rei do Cangaço", até produções mais recentes,como a série "O Cangaceiro do Futuro", lançada pela Netflix em 2022.Apenas 14% dos filmes sobre o cangaço colocaram as mulheres emevidência, foram eles: do gênero nordestern Maria Bonita, Rainha doCangaço (1968); duas pornochanchadas As Cangaceiras Eróticas (1974) eA ilha das Cangaceiras Virgens (1976) e o mais recente Entre irmãs(2017); dos seis documentários sobre o cangaço, três foram dedicados àscangaceiras: A Mulher no Cangaço (1976), a Musa do Cangaço (1982) eFeminino Cangaço (2013). (Lima, 2020, p. ?).É crucial ressaltar um aspecto significativo no âmbito da representação dascangaceiras em filmes sobre o cangaço, a sexualização delas . Um exemplo particularmentepolêmico pode ser observado no filme "Corisco, o Diabo Loiro," dirigido por Carlos Coimbraem 1969, quando a narrativa tenta minimizar a gravidade do estupro perpetrado por Coriscocontra Dadá.A tentativa de amenizar a violência sexual cometida por Corisco duranteo filme é apelativa, pois induz o espectador ao pensamento de que Dadáteria “provocado” Corisco, pois durante todas as cenas a figura feminina éextremamente sexualizada até nas representações de sua infância, composes e olhares provocantes, também passa a idéia de submissão asdecisões dos homens, especialmente na cena onde são capturados, Dadápede para Zé Rufino matá-la, mas não “judiar” com tom de voz sedutor(Mano, 2017, p. ?).As personagens femininas no nordeste, conforme analisado por Albuquerque (2006),desempenharam um papel significativo na história do cinema ao consolidar três estereótiposdistintos: a mocinha, a mulher traidora e a mulher de atitude firme, conhecida como "mulhermacho". É importante destacar que essas representações não apenas delineiam característicasindividuais, mas também contribuem para a construção de uma narrativa mais ampla sobre osertão e as mulheres sertanejas que habitavam essa região.Esses três estereótipos persistem mesmo em obras mais contemporâneas que abordamo tema do cangaço. Tomemos como exemplo a renomada novela "Cordel Encantado",veiculada pela Rede Globo entre 11 de abril e 23 de setembro de 2011, no horário das 18:00horas. A trama, que incorpora elementos dos contos de fadas e da literatura decordel(Luiz,Cordeiro,2015), continua a refletir e, em certa medida, reforçar esses arquétiposem sua representação das personagens femininas relacionadas ao cangaço.Embora a narrativa da novela transcorra no cenário fictício de Brogodó, arepresentação das cangaceiras nesse enredo de ampla audiência transcende as fronteiras daficção, projetando uma imagem que ecoa na contemporaneidade. Tomemos, como exemplo, apersonagem Dona Cândida, mãe do Capitão Herculano, figura central no universo cangaceiroda trama.Ao analisarmos diversas cenas que a envolvem na novela,47 percebemos a persistênciado estereótipo que a retrata como uma mulher de atitude firme , no vocabulário popularconhecida como mulher-macho. Essa caracterização, presente em uma obra de destaque, nãoapenas contextualiza a narrativa no universo nordestino fictício, mas também influencia apercepção contemporânea, destacando a relevância e a durabilidade da representação dasmulheres cangaceiras na construção cultural da região.Imagem 20: Personagem de Dona Cândida.Fonte: Globo-Gshow.Outros dois filmes que se inserem nesse estereótipo, especialmente o da "mocinha", são"Lampião, O Rei do Cangaço", dirigido por Carlos Coimbra, e "O Cangaceiro," de VictorLima Barreto. Segundo a análise de Lucila Bernardet e Francisco Ramalho (2005), apesar daspeculiaridades de cada obra, compartilham elementos idênticos ao abordar de modoprivilegiado a trajetória do herói, do mocinho e da mocinha, negligenciando efetivamente avida dos cangaceiros e cangaceiras.Imagem 21: Filmes Lampião, O rei do Cangaço e O cangaceiro.Fonte: Google Imagens - 27 de Dezembro de 2023.47 Disponível em : https://gshow.globo.com/novelas/cordel-encantado/personagem/candida.html#cenas/1637755Acesso em 27 de Dezembro de 2023.https://gshow.globo.com/novelas/cordel-encantado/personagem/candida.html#cenas/1637755A representação das mulheres nos filmes reflete uma visão homogênea sobre as cangaceiras,limitando-se à reprodução do estereótipo de Maria Bonita e silenciando a existência de outrasmulheres. As heroínas são praticamente inexistentes, enquanto as mulheres são retratadascomo instrumentos para despertar a sensibilidade e o amor nos cangaceiros, a mocinha sendoresponsável por transformar o sanguinário cangaceiro em herói(Lima,2021).Outro aspecto notável nas representações cinematográficas do cangaço é a recorrentetendência de retratar a mulher como figura coadjuvante em relação ao protagonismomasculino. Um exemplo paradigmático desse padrão é evidenciado no filme "O Cangaceiro" .Durante a narrativa, a personagem de Maria Clódia frequentemente aparece em segundoplano, situada no canto da tela. O enquadramento da imagem não apenas negligencia apersonagem, mas também reforça de maneira explícita o seu papel secundário na trama(Lima, 2021).As sequências situadas entre 13:20 e 30:10 minutos do filme destacam que a presençafeminina é contextualizada em torno dos personagens masculinos, Galdino eTeodoro(Lima,2021). Nesse sentido, a construção da representação da mulher no cinema éinfluenciada pela aproximação com outros domínios culturais e pela maneira como percebema influência do elemento masculino como ponto de referência para a narrativacinematográfica (Kamita, 2017, p. 1393).Considerando a perspectiva de Gubernikoff (2009), que enfatiza a influência dacultura patriarcal na construção de representações sociais do masculino, onde o homem éproeminente como principal produtor de significado, silenciando a mulher e retirando dela opapel de geradora de significado, é evidente que essa dinâmica patriarcal perdura nasrepresentações cinematográficas do cangaço, mantendo-se ao longo do tempo. Um exemplocontemporâneo que reflete essa tendência é a obra "Cangaço Novo" da Amazon Prime,produzida em 2023.Imagem 22 : Cangaço Novo.Google Imagens- 27 de Dezembro de 2023.A narrativa proporciona uma visão contemporânea do cangaço, situando-se no interiordo Ceará, na cidade de Cratará. Ubaldo assume a liderança dos novos cangaceiros ao lado desua irmã, interpretada pela atriz potiguar Alice Carvalho. Em uma entrevista à Folha dePernambuco,48 a atriz destacou sua abordagem à personagem, afirmando: "Eu tive queencontrar uma maneira de expressar essa personalidade violenta e raivosa. Encontrei-me emum lugar que considerava feio, mas precisava compreender o escudo ético da personagem”.A análise da entrevista revela que a representação da agressividade em relação àmulher sertaneja, especialmente no contexto do cangaço, continua presente nos filmescontemporâneos. Além disso, a persistência da mulher como figura secundária, tornando-secoadjuvante quando o personagem masculino assume o protagonismo, evidencia que ainvisibilidade da mulher na temática do cangaço persiste até os dias atuais.A negligência na análise das mulheres e de seus papéis nos bandos cangaceiros e nosfilmes do gênero Nordestern é uma lacuna que muitos autores deixam de abordar. A teoriafeminista do cinema e a História das mulheres emergem como ferramentas fundamentais parapreencher essas lacunas, proporcionando uma compreensão mais completa e equitativa dasexperiências femininas no contexto do cangaço e na cinematografia que o retrata(Lima,2021).A percepção de que, por muito tempo, as mulheres foram negligenciadas não é meracoincidência, mas sim reflexo de estruturas sociais e narrativas historicamente centradas nomasculino.3.3 REPRESENTAÇÃO NA MÚSICA48 Disponível em:https://www.folhape.com.br/cultura/cangaco-novo-traz-sertao-contemporaneo-e-cheio-de-acao-confira/286963/Acesso em 27 de Dezembro de 2023.https://www.folhape.com.br/cultura/cangaco-novo-traz-sertao-contemporaneo-e-cheio-de-acao-confira/286963/Uma outra fonte que está bem presente no imaginário popular é a música, e em relaçãoao cangaço, a maioria das composições destaca mais a figura masculina do que a feminina.Essa disparidade é evidente ao analisarmos um LP produzido em 1984 pela gravadoraEldorado,49 que reúne diversas músicas de diferentes artistas ao longodos anos. A estética doálbum reforça essa tendência, apresentando na capa a figura masculina de Lampião. Ao nosaprofundarmos nas faixas do LP, notamos que apenas 3 das 13 músicas têm a mulher comotítulo principal, evidenciando a predominância das narrativas centradas nos cangaceirosmasculinos.Imagem 23: Lp sobre o cangaço.Fonte: Gravadora ElDorado.Ao analisarmos os meios de música contemporâneos, ao pesquisarmos a palavra"cangaço" no maior serviço de streaming musical mundial, o Spotify, podemos notar que atendência é consistente. Os resultados de busca exibem predominantemente capas com afigura de Lampião ou a representação de um homem cangaceiro em todas as ocorrências.Intrigantemente, apenas um resultado destaca Maria Bonita, e mesmo assim, sua imagem estáassociada à figura de Lampião evidenciando assim a marginalização dessas figuras femininase limitando a diversidade de perspectivas e histórias apresentadas.Figura 24:Pesquisa Spotify Cangaço.49 Disponível em:https://www.google.com/url?q=https://immub.org/album/a-musica-do-cangaco&sa=D&source=docs&ust=1703075430956798&usg=AOvVaw35GINFPMM7tS8GGYiqaejq Acesso em 19 de Dezembro de 2023.https://immub.org/album/a-musica-do-cangacohttps://immub.org/album/a-musica-do-cangacoFonte: Print de tela tirado no dia 20/12/2023.Ao examinarmos as letras das músicas mais notórias relacionadas ao cangaço,percebemos que, em sua maioria, quando abordam a temática feminina, essa narrativa estáquase sempre entrelaçada à imagem masculina, negligenciando os méritos individuais e asrealizações das mulheres na história.Tomamos como exemplo uma das músicas mais icônicas e emblemáticas do cangaço,"Mulher Rendeira", cujas origens estão diretamente associadas a Lampião. A canção ganhoudestaque ao ser gravada por artistas renomados, sendo o mais proeminente o Rei do Baião,Luiz Gonzaga. Sua notoriedade foi ainda mais impulsionada ao ser incluída na trilha sonorado filme "O Cangaceiro" de 1953, sob a autoria e direção de Lima Barreto(Silva,2022)Olê, mulé renderaOlê, mulé rendáTu me ensina a fazê rendaQue eu te ensino a namoráTu me ensina a fazê rendaQue eu te ensino a namorá (AUTOR, ANO).Observamos que, embora haja uma ênfase no papel da mulher, é evidente que elafrequentemente é retratada em relação a um homem, como expresso no trecho "tu me ensina afazer renda, que eu te ensino a namorá". Essa representação constante vincula a mulher a umaposição secundária, dependente do homem, em vez de conferir-lhe um papel protagonistaindependente.Ao analisarmos músicas contemporâneas que abordam o tema do cangaço,observamos uma persistente tendência de relegar as mulheres a papéis secundários nanarrativa. Um exemplo ilustrativo é uma obra de 1979 do maestro e clarinetista LourivalOliveira, intitulada "Os Cabras de Lampião no Frevo"50. Nesse álbum, cada faixa recebeu onome de cangaceiros renomados, sendo notável que apenas uma música foi dedicada a MariaBonita, destacando a contínua marginalização das mulheres no contexto do cangaço.Para além do reconhecimento conferido a Maria Bonita em algumas composições,percebemos uma presença ainda mais escassa de outras cangaceiras em comparação com seuscompanheiros. Tomemos como exemplo o segundo casal mais famoso da história do cangaço,Dadá e Corisco. Apesar da notoriedade conquistada e da sobrevivência após o período docangaço, Dadá é raramente mencionada em músicas, e quando isso ocorre, geralmente estáatrelada à sua história de amor com Corisco. Exemplificando, analisemos a letra de uma dasmúsicas mais emblemáticas que destaca essa dinâmica ,composto e interpretado por SérgioRicardo e a letra de Glauber Rocha a música “Se entrega Corisco”:Se entrega, Corisco!Eu não me entrego não!Eu não sou passarinhopra viver lá na prisão!Se entrega, Corisco!Eu não me entrego não!Não me entrego ao tenente,não me entrego ao capitão,eu me entrego só na morte,de parabelo na mão!Mais forte são os poderes do povo!Farreia, farreia, povo,farreia até o sol raiarmataram Corisco,balearam Dadá.O Sertão vai virar mar,e o mar vai virar sertão!Tá contada a minha estória,verdade, imaginação.Espero que o sinhôtenha tirado uma lição:que assim mal divididoesse mundo anda errado,que a terra é do homem,não é de Deus nem do Diabo (AUTOR, ANO)!A música, ao focalizar predominantemente a história da morte de Corisco, deixa delado importantes aspectos da trajetória de Dadá durante o evento. Ignora-se o papel ativo deDadá na tentativa de salvar suas vidas durante os eventos que culminaram na morte deCorisco, bem como sua própria sobrevivência frente à ação da volante da época.A omissãodesses detalhes essenciais contribui para uma representação limitada e distorcida da50 Disponível em: https://catalogobandasdemusicape.wordpress.com/lourival-oliveira/ Acesso em 26 deDezembro de 2023.https://catalogobandasdemusicape.wordpress.com/lourival-oliveira/experiência de Dadá no contexto do cangaço e não reflete adequadamente sua complexidadecomo figura histórica.Para concluir, a análise das músicas relacionadas ao cangaço revela um padrãopersistente de marginalização das mulheres, relegando-as frequentemente a papéissecundários e vinculando suas histórias à figura masculina dominante. Essa tendência,evidente desde obras mais antigas até produções contemporâneas, destaca a necessidade deuma reavaliação crítica do modo como as cangaceiras são representadas na música. Urge apromoção de narrativas mais equitativas e inclusivas que reconheçam as mulheres do cangaçocomo protagonistas independentes, desvinculando-as de estereótipos e permitindo aapreciação de suas contribuições únicas para a história do Brasil. A música, como expressãocultural, desempenha um papel fundamental na construção de narrativas coletivas, e é crucialque essa forma de arte promova uma representação mais justa e plural das mulheres quefizeram parte do universo do cangaço (Pereira, 2013).3.3 REPRESENTAÇÃO LITERATURAO padrão estereotipado construído em torno das mulheres teve repercussões perigosasna maneira como foram abordadas na escrita histórica, excluindo-as de diversos aspectossociais. Como PEDRO (2010) observou, muitas dessas mulheres permaneceram anônimaspara a historiografia, sendo somente nos últimos anos que as pesquisas começaram a lançarluz sobre suas histórias. Em sintonia com essa perspectiva, LIMA (2016) destaca a mulhercangaceira como protagonista de sua própria narrativa, atuando de maneira ativa no cotidianodo cangaço. Dessa forma ela ressalta que:A participação no Cangaço as empoderou, pois pegaram em armas,lideram ao lado dos companheiros, constituíram outro modelo de família[...] observou-se que a entrada das mulheres e sua permanência noCangaço romperam com alguns aspectos dessa estrutura arcaica (LIMA.2016. p. 95).Durante um extenso período, a narrativa histórica esteve predominantemente sob odomínio da voz masculina, consolidando uma versão oficial restrita à "História dos homens",conforme ressaltado por LOURO (2010, p. 50). Esse enfoque resultou na sistemáticamarginalização das contribuições femininas e na perpetuação de estereótipos de gêneroprofundamente enraizados.A contínua associação de Maria Bonita à figura de Lampião em diversos meiosmidiáticos suscita reflexões sobre como as narrativas persistem em reforçar os papéistradicionais de gênero, relegando-a constantemente a um plano secundário em relação aoscangaceiros masculinos. Essa tendência é claramente evidenciada pela escassez derepresentações de Maria Bonita como protagonista nas inúmeras obras literárias sobre ocangaço. Destacando-se como uma notável exceção nesse panorama, o livro "Maria Bonita:Sexo, violência e mulheres no cangaço," da Jornalista Adriana Negreiros (2018), esse fatoressalta a urgente necessidade de reexaminar e ampliar as narrativas que, historicamente,relegaram as mulheres do cangaço a papéis secundários.Em uma entrevista ao Portal Mpumalanga51, abordando a literatura sobre as mulheresno cangaço, Negreiros compartilhar experiências relacionadas à sua pesquisa. Desde a faseinicial do trabalho, ela relata ter enfrentado comentários desencorajadores, como a crença deque narrar histórias de mulheres no cangaço não era apropriado, pois não se tratava de umtema adequado para mulheres. Além disso, alguns pesquisadores questionaram a relevância deseu projeto, sugerindo que abordar Maria Bonita se limitaria a questões de moda e beleza,desconsiderando a profundidade e importância das histórias das mulheres no contexto docangaço.Ao analisar obras clássicas que abordam o cangaço, surge uma clara sub-representaçãoda mulher em comparação com o homem nesse cenário histórico. Uma ilustração dessecenário é encontrada em "O Cangaceirismo no Nordeste" de 1988, uma das primeiras obrasclássicas sobre o tema, na qual Oliveira (1988) destaca a figura de Sérgia Ribeiro da Silva. Aautora ressalta que, na época em foco, Sérgia alcançou renome em todo o nordeste, sendo atémais respeitada e temida do que outros cangaceiros. Vale notar, entretanto, que a notoriedadede Dadá está intrinsecamente ligada ao seu marido, Corisco. No livro, por exemplo, há umcapítulo dedicado ao cangaceiro, onde Dadá é mencionada apenas em alguns trechos.Contudo, percebe-se uma limitação na obra, especialmente no que diz respeito àdiscussão da mulher no cangaço. A abordagem é superficial, reservando poucas páginas paraessa temática, e uma exploração mais profunda ocorre principalmente quando se toca nosrelacionamentos no cangaço e nos anos finais do movimento, destacando o protagonismo deDadá em seus frequentes confrontos armados com os volantes (Araújo, 2019).Outra obra historiográfica de renome que aborda o tema do cangaço e perpetua oanonimato das mulheres é "Cangaceiros e Fanáticos" de Facó (1972). Neste livro, as mulherescangaceiras são mencionadas apenas superficialmente, com seus nomes sendo citados semqualquer aprofundamento em suas histórias individuais ou nas contribuições específicas queofereceram ao grupo cangaceiro (Araújo, 2019). Diante dessa perspectiva Brito problematizaque:51 Disponível em: https://www.facebook.com/institutompumalanga/videos/720334025906193 Acesso em 04 dejaneiro de 2022.https://www.facebook.com/institutompumalanga/videos/720334025906193Quando lembradas, as mulheres não receberam a mesma avaliaçãodispensada aos homens e seus nomes foram apenas citados entre umaexaustiva enumeração de autores, cortesia que reforça a ideia deexcepcionalidade a uma regra masculina. Estas são questões que podemser visualizadas nos estudos sobre o cangaço, cuja fortuna crítica aindaapresenta poucos trabalhos que examinam mais detidamente esseprotagonismo (BRITTO. 2016. p. 55).Ao adotarmos a abordagem de investigar o papel das mulheres no contexto doCangaço, deparamo-nos com uma obra cujo título, de maneira irônica, já revela umaperspectiva impregnada de machismo: "A Mulher no Cangaço de Lampião". Este livro,conforme destacado por Araújo (2019), apresenta as cangaceiras de uma maneira que asrelega ao papel de boas serviçais, amantes e esposas, perpetuando uma visão estereotipada elimitada das contribuições femininas no movimento cangaceiro.Essa perspectiva restritiva, evidenciada pelo título, levanta questões sobre como asnarrativas históricas muitas vezes perpetuam estereótipos de gênero e negligenciam acomplexidade das experiências femininas no cangaço. Ao caracterizar as mulheres apenascomo serviçais e figuras afetivas, o livro parece reduzir significativamente a diversidade depapéis e a participação ativa que as cangaceiras desempenharam nesse fenômeno histórico.A elas foram impostos comportamentos, posturas e atitudes. Dessa formaa participação delas no bando é apresentada de maneira coadjuvante,elasseriam a companheira dedicada às funções domésticas e obedientes aomarido, se abstendo do cotidiano de luta do Cangaço (FALCI , 2010, p.?).A revisão historiográfica das últimas décadas têm evidenciado a representação damulher como protagonista ativa em sua própria história, desempenhando um papelfundamental no contexto social em que está inserida (Araújo, 2019). No entanto, é importanteressaltar que a Literatura não está completamente restrita a obstáculos, pois alguns autorestêm progressivamente destacado a inclusão da mulher nas tramas literárias.Um exemplo notável dessa mudança de perspectiva é a abordagem de LIMA (2016) eOLIVEIRA (1988), que investigam o papel da mulher no contexto ativo do Cangaço,conferindo-lhes uma importância crucial na dinâmica do grupo. Vale ressaltar que essasanálises refletem aspectos sociais, uma vez que, por muito tempo, as representações femininasforam limitadas a um padrão subordinado ao homem, relegadas a segundo plano.Atualmente, diversas obras estão empenhadas em reinterpretar o papel das mulheresno contexto do cangaço, explorando o silenciamento que algumas delas experimentaram. Umexemplo inspirador dessa iniciativa é o estudo realizado no âmbito do mestrado em ensino dehistória na Universidade de Sergipe pela pesquisadora Lidiane Metódio dos Santos. Em suapesquisa, Lidiane optou por analisar as biografias de duas cangaceiras, adotando umaabordagem que destaca narrativas contrastantes. Conforme ela destaca, "A história de vidadelas se contrapõe. Enquanto Sila foi raptada por Zé Sereno, tornando-se vítima de um abusosexual e ingressando no cangaço à força, Maria Bonita uniu-se ao movimento por paixão aLampião, apresentando um caráter transgressor" (Lidiane, 2023)52.Diante desse cenário, emergiu a história em quadrinhos intitulada "Mateus e Eloísa:As Aventuras no Sertão de Maria Bonita e Sila". Ambientada nos arredores de Angico, essaobra foi concebida com o propósito de redefinir o protagonismo das mulheres no movimentodo cangaço, oferecendo uma abordagem inovadora para ser integrada ao ensino de história.Esse trabalho tem um potencial absolutamente significativo para se revero papel da mulher na sociedade do cangaço, sobretudo de quebrarparadigmas no sentido do preconceito a respeito de quem define osaspectos políticos, econômicos e sociais de uma sociedade (Souto, 2023,p. ?).Imagem 25: HQ sobre Sila e Maria Bonita.Fonte: Portal da universidade Federal de Sergipe.Para concluir este capítulo, é fundamental destacar as observações da jornalistaAdriana Negreiros (2018) sobre a relevância de abordar a presença das mulheres no cangaço.Em uma entrevista conduzida pelo Instituto Mpumalanga53, ela enfatiza não apenas aimportância de valorizar as histórias dessas mulheres, mas também ressalta a necessidade deconfrontar a questão do estupro que permeia a história desde as mulheres no cangaço até asmulheres contemporâneas. Além disso, destaca a importância de reconhecer a história53 https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=720334025906193 Acesso em 04 de janeirode 2024.52 Disponível em:https://ciencia.ufs.br/conteudo/71539-historia-em-quadrinhos-ressignifica-protagonismo-feminino-no-cangacoAcesso em 04 de janiero de 2024.https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=720334025906193https://ciencia.ufs.br/conteudo/71539-historia-em-quadrinhos-ressignifica-protagonismo-feminino-no-cangacopolítica, especialmente no contexto da naturalização do estupro e da difundida cultura doestupro.Negreiros também relata que alguns homens que leram seu livro compartilharam apercepção de que, por meio da obra, se tornaram conscientes de comportamentos violentosque estavam praticando. Assim, o livro não apenas ilumina aspectos históricos e políticos,mas também serve como um instrumento de conscientização, contribuindo para a reflexãocrítica sobre a perpetuação de comportamentos prejudiciais ao longo do tempo.CONSIDERAÇÕES FINAISAo concluir este trabalho, é fundamental destacar e relembrar alguns pontos paraalcançarincorporandoentrevistas com essas mulheres e referências provenientes de autoras que se debruçaram sobresuas histórias, destacando assim um aspecto pouco explorado na historiografia. Por fim,mergulhamos na fascinante jornada da representação da mulher cangaceira ao longo dotempo. Ao explorar diversas expressões artísticas, acadêmicas e discursos orais, uma gritantefalta de destaque às mulheres nesse contexto se revela (Viana, 2014). Notadamente no séculoXXI, sob o olhar crítico de meios como a internet, o cinema, a música e a literatura,investigamos como essas mulheres foram retratadas, expondo uma preocupante tendência desubestimação de suas histórias e conquistas. Percebemos que, ao serem recordadas, muitasvezes são reduzidas ao aspecto romântico, obscurecendo nuances complexas e impactantes desuas trajetórias. Prepare-se para uma imersão reveladora nas entrelinhas da representaçãofeminina no cangaço e descubra um novo horizonte de histórias marcantes.Palavras-chave: Cangaço; Mulheres; Sociedade; CangaceirasABSTRACTThe women in the cangaço were not limited to merely playing the role of companions ofthe cangaceiros; on the contrary, they revealed themselves to be authentic warriors, engaging intireless battles to conquer their space in country society and challenge the paradigms imposedon women at that time. Personalities like Dadá and Sila, whose stories may not be widelyknown, left a profound mark on an entire generation of country women who followed them.This work seeks to narrate the story of these women in a unique way, from their perspective,highlighting how, even in the face of terrible adversities, including cases of rape, they managedto be remarkable with all their strength and courage in building the history of cangaço.We beginour exploration of cangaço with a panoramic approach, ranging from the promulgation of theLand Law to the integral development of this phenomenon. This was done through extensivebibliographical research, exploring the distinctive characteristics and outstanding personalitiesthrough the works of the main authors who contributed to the understanding of this period. Wethen dedicate an entire chapter to cangaceira women, detailing everything from their entry intothe cangaço to their lives and achievements inside and outside this context. To further enrichthe research, we adopted a unique bibliographical perspective, incorporating interviews withthese women and references from authors who studied their stories, thus highlighting an aspectlittle explored in historiography. Finally, we delve into the fascinating journey of therepresentation of the cangaceira woman over time. When exploring various artistic, academicexpressions and oral speeches, a glaring lack of emphasis on women in this context is revealed(Viana, 2014). Notably in the 21st century, under the critical gaze of media such as the internet,cinema, music and literature, we investigated how these women were portrayed, exposing aworrying trend of underestimation of their stories and achievements. We realize that, whenremembered, they are often reduced to a romantic aspect, obscuring complex and impactfulnuances of their trajectories. Get ready for a revealing immersion between the lines of femalerepresentation in cangaço and discover a new horizon of remarkable storiesKeywords:Cangaço; Women; Society; CangaceirasLISTA DE ILUSTRAÇÕESImagem 01 – Àrea de atividade de cangaceirosImagem 02 – O Banditismo no NordesteImagem 03 – As Cangaceiras Nenê,Maria Jovina e DurvinhaImagem 04 – VolantesImagem 05– Lampião no Sertão NordestinoImagem 06 – As cabeças de Lampião(última debaixo),Maria Bonita(logo acima de Lampião)e outros cangaceiros do bando.Imagem 07 – A Repercussão da morte de Lampião internacionalmenteImagem 08 – : Maria Bonita e Lampião na caatinga em 1936Imagem 09 – O bando, Com Maria à frenteImagem 10 – : Lampião,Corisco e Maria BonitaImagem 11-: Bornais de lampiãoImagem 12 :A agressividade do cangaçoImagem 13: Dadá grávida,1936Imagem 14: : Silvio Bulhões reivindicando a cabeça do pai , 1953LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASABNT - Associação Brasileira de Normas TécnicasBU - Biblioteca UniversitáriaEd. - EdiçãoIES - Instituição de Ensino SuperiorUPE - Universidade de PernambucoTrad. - TradutorSUMÁRIOCAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃOO fenômeno do Cangaço no Nordeste brasileiro emerge como um destacado campo deestudo no âmbito do banditismo social, conforme afirmado por renomados pesquisadores, aexemplo Faço (1972) e Chandler (2010). Já décadas antes, esses estudiosos situaram-se nocontexto da manifestação do banditismo social, originado em regiões de conflito e misériacomo uma forma intrínseca de resistência ao poder e à exploração. Ao longo do tempo, estefenômeno não apenas permeou a consciência da população brasileira e de seus participantes,mas também foi reconhecido como um notório fenômeno social. Seu impacto transcendeu aesfera acadêmica, gerando um intenso interesse e fascínio, consolidando-se no imagináriopopular brasileiro através das mais diversas gerações na contemporaneidade.O esquecimento acerca desse fenômeno, por seu lado, se ausenta das áreas rurais até acontemporaneidade, sendo muitas vezes negligenciado e frequentemente silenciado.Tendo emvista que alcançou uma forte presenças em famílias que eram em sua maioria pobres, emboranão devamos ignorar a presença também de família mais abastadasImagem 1: área de atividade de cangaceiros.Fonte: Cartografia Canoa de Tolda.Essa influência segundo o mapa apresentado acima se estendeu por regiões que eramde longínquas áreas dos estados, como Pernambuco e seu entorno, com exceção do Piauí eMaranhão, uma vez que esses espaços segundo uma matéria publicada sobre o cangaço no siteda instituição Canoa de Tolda1 não apresentaram interesse aos cangaceiros por diversos1 Disponível em: https://canoadetolda.org.br/o-baixo-sao-francisco/cangaco/ Acesso em 27 de novembro de2023https://canoadetolda.org.br/o-baixo-sao-francisco/cangaco/motivos, como relevo, clima, ou mesmo a economia e os demais aspectos consideradosestratégicos pelos envolvidos.O Cangaço se iniciou no período final do segundo reinado, por volta das décadas de1860 a 1890. Para Chandler (2010), que publicou uma vasta obra sobre o Cangaço segundo oscríticos que o referenciam, o Cangaço foi comparado ao banditismo social, relacionando-o emdiversas situações com outros fenômenos mundiais, como Robin Hood na Inglaterra, PanchoVilla e suas aventuras no México, os americanos com Jessie James e no Brasil, veio à tonaLampião.Se o fenômeno do Cangaço, por um lado, representou uma resposta autônoma aosdelitos, escapando muitas vezes do escrutínio da justiça formal, por outro lado, a concentraçãode poder nas mãos de uma elite desde a promulgação da Lei n. 601, de 18 de setembro de1850,popularmente conhecida como Lei Terras2, segundo Ricardo Westin em uma publicação3sobre a questão agrária acarretou em significativas ramificações para as famílias decamponeses em condições precárias e para os produtores em situação vulnerável, já que tallei, embora inicialmente destinada a regularizar a posse de terras, foi interpretada e aplicadade maneira desigual, ampliando as disparidades sociais no contexto agrário brasileiro. Oacesso à terra, fundamental para a subsistência das populações rurais, tornou-se cada vez maisrestrito devido à formação de extensas propriedades controladas por latifundiários. Essalimitação exacerbou a vulnerabilidade socioeconômica das famílias de camponeses, que seviram privadas de recursos essenciais para a agricultura e a criação de gado.Além disso, a ausência de mecanismos eficazes de fiscalização e a tolerância parapráticas como a grilagem4 contribuíram para a consolidação do domínio territorial por parteda elite agrária. A falta de recursos legais e meios para contestar disputas de terrasuma conclusão mais efetiva. Antes de prosseguir, destaco que o tema do cangaçosempre despertou meu interesse, especialmente quando relacionado às mulheres. Comomulher, ansiava por aprender mais sobre suas histórias e realizações, sobretudo por se tratarde mulheres nordestinas, como eu. Essa perspectiva, infelizmente, não foi abordada em salade aula ao longo de minha vida escolar, uma lacuna que não foi explorada neste trabalho, masque merece atenção urgente. A questão cultural de compreender e valorizar nossa própriahistória regional é crucial e deve ser considerada para enriquecer nosso conhecimento eidentidade.Por meio do patrimônio histórico-cultural, temos acesso à história e atodos os seus elementos, incluindo arte, tradições e saberes de um povo.Preservar e valorizar esses aspectos culturais é manter viva a identidadede uma comunidade. Esse processo não apenas preserva a riquezacultural, mas também se configura como um ato de construção dacidadania (RODRIGUES , COELHO, ano, p.?)54.Ao iniciar minha pesquisa, deparei-me com lacunas evidentes na abordagem damulher no cangaço. Ao explorar diversas manifestações sobre o tema, seja em expressõesartísticas, acadêmicas ou discursos orais, torna-se notável a notável escassez de destaque dadoàs mulheres nessas narrativas (Viana, 2014). Mesmo a figura mais famosa, como MariaBonita, hoje considerada um ícone cultural, apresenta falhas em sua história, sobretudo pelaconstante redução de sua identidade e conquistas ao papel de "mulher de Lampião", deixandode reconhecer suas realizações independentes.54 Disponível em :https://www.femcultura.ac.gov.br/o-patrimonio-historico-cultural-e-sua-importancia-para-a-sociedade/#:~:text=Por%20meio%20do%20patrim%C3%B4nio%20hist%C3%B3rico,ato%20de%20constru%C3%A7%C3%A3o%20da%20cidadania.Diante do exposto, esta pesquisa empreendeu uma análise centrada no protagonismofeminino no cangaço, buscando destacar não apenas as conquistas, mas também a trajetóriadas mulheres ao longo desse fenômeno. A abordagem seguiu uma linha cronológica,começando pela contextualização da formação do movimento do cangaço, explorando oselementos do banditismo social e a própria gestação desse movimento. O segundo capítuloconcentrou-se nas mulheres do cangaço, desde sua entrada até as complexidades de suas vidasentre o amor e a violência. Por fim, o terceiro capítulo consistiu em uma análise sintática,examinando como a história e a imagem dessas mulheres foram moldadas após o movimento,abrangendo desde os primeiros anos até as representações contemporâneas. Essa abordagempermitiu uma compreensão mais abrangente do papel das mulheres no cangaço, enriquecendoo entendimento do movimento e seu legado histórico.Ao percorrer esta jornada de pesquisa, é evidente que alcançamos plenamente oobjetivo geral proposto. Nossa busca pela compreensão da formação do cangaço nos sertõesdo Brasil, considerando suas diversas relações histórico-sociais, sobretudo a notávelparticipação das mulheres, foi bem-sucedida. Ao longo do trabalho, especialmente no capítulo2, concluímos que essas mulheres desempenharam papéis cruciais como portadoras decultura, estrategistas habilidosas e guerreiras. Unindo-se aos cangaceiros em um cenáriodesafiador, caracterizado pela dualidade entre a vida e a morte do movimento, elas deixaramum legado marcante.As cangaceiras não eram vítimas, mas sim mulheres emsituação de vulnerabilidade e violência. Eram mulheres quebuscaram, dentro de suas possibilidades, viver suas escolhas, sersenhoras de suas vidas. Cada uma, à sua forma e de acordo com suaspotencialidades. Representadas como mulheres de vida fácil, megeras,que não se enquadram nas normas morais pudicas, ou comoguerreiras, combatentes e impetuosas, subvertem a imagem dadocilidade e fragilidade feminina.Este é o crime femininoprimordial, ousar sair do roteiro imposto (Nascimento, 2022, p.?).Os objetivos específicos foram plenamente cumpridos e alcançados, sendo abordadosde maneira conceituada e esclarecedora, com destaque para o livro "Maria Bonita: Sexo,Violência e Mulheres no Cangaço", de Adriana Negreiros. Este livro, utilizado comobibliografia fundamental, proporcionou uma base sólida para a compreensão aprofundada dostemas abordados. Dessa forma, ao finalizar esta pesquisa, constata-se que os objetivos foramintegralmente atendidos, contribuindo para uma análise consistente e enriquecedora sobre omovimento, especialmente no que diz respeito ao papel das mulheres e suas realizações antes,durante e após o cangaço.A pesquisa teve origem na hipótese de que as mulheres no cangaço possuem umahistória merecedora de ser contada e valorizada. O resgate da memória dessas mulheres nãoapenas contribui para a compreensão da história do cangaço, mas também enriquece anarrativa da região nordestina, especialmente no âmbito cultural. Além disso, essainvestigação se configura como uma parcela significativa da história das mulheres e dasnarrativas populares, considerando o impacto relevante que essas mulheres exerceram sobreas contemporâneas nordestinas.Diante das limitações existentes, o trabalho de escrita foi alicerçado em diversaspesquisas para que pudesse ser concluído. A partir disso, pode-se verificar que a jornadaempreendida proporcionou uma análise mais profunda do papel das mulheres no cangaço,oferecendo novas perspectivas sobre suas vidas, desafios e conquistas. O destaque dado a suashistórias individuais não apenas preenche uma lacuna histórica, mas também contribui para avalorização da diversidade cultural e da memória coletiva dessa região.Ao revisitar o cangaço através da ótica feminina, o presente estudo evidenciou nãoapenas a resistência dessas mulheres diante das adversidades, mas também seu impactoduradouro nas dinâmicas sociais e culturais da região nordestina. Conclui-se, assim, que aanálise dessas trajetórias individuais não só resgata o passado, mas também lança luz sobre aresiliência e a influência dessas mulheres na construção da identidade nordestina. Este estudovisa contribuir para uma compreensão mais completa e inclusiva do cangaço, reconhecendo opapel vital das mulheres nesse fenômeno histórico.Um ponto importante que merece destaque e que não deve ser esquecido e muitomenos romantizado como é em alguns filmes é o fato do estupro dessas mulheres, pois Dadafoi levada apenas quando tinha 14 anos e foi violentada por Corisco,sua experiência inicial foimarcada por uma violência sexual extrema que a levou a uma grave hemorragia, ameaçandosua vida( NEGREIROS , 2018). Esse ponto merece destaque principalmente nos dias atuaisem que mulheres nordestinas assim como Dada ainda sofrem dessas atrocidadesespecialmente na região Nordeste pois segundo uma matéria do Jornal extra de novembro de2023:Nordeste apresenta a maior média anual de crianças estupradas queengravidam,Região mostra que a cada 100 mil habitantes, 147 meninascom menos de 14 anos têm filhos Nordeste apresenta maior média anualde crianças estupradas que engravida (Autor, ano, p. ?)55.55 Disponível em:Seguindo esse raciocínio, almejo que este trabalho não apenas alcance a esferaacadêmica, mas também ressoe no âmbito mais popular, especialmente nas escolas. Ashistórias dessas mulheres podem servir como exemplos, proporcionando aprendizado eidentificação para outras pessoas. Além disso, espera-se que possam estimular aconscientização sobre essas questões, encorajando a denúncia de situações semelhantes.Certamente, ao disseminar essas narrativas nos ambientes educacionais, almejo nãoapenas instigar reflexões críticas sobre o passado, mas também fomentar diálogos essenciaisacerca da realidade contemporânea. Torna-se imperativo que as histórias dessas mulheresatuem como ferramentas de empoderamento para as novas gerações, incitando a busca porequidade, respeito e justiça. Ao adentrar esse nicho educacional, minha intenção é contribuirpara a construção de uma consciência coletiva que repudie a violência contra as mulheres. Assalas de aula, assim, podem transformar-se em ambientes propícios para a discussão dessatemática, incentivando debates saudáveis, construtivos e, acima de tudo, conscientes.Finalizo este trabalho com satisfação ao constatar que atingi todos os objetivospropostos em minha pesquisa. Essa conclusão não apenas reforça meu interesse em continuaraprofundando meus estudos sobre o tema, mas também me motiva a expandir cada vez maismeu conhecimento nesse universo.Tenho a esperança de poder contribuir e auxiliar outrospesquisadores, especialmente incentivando meus futuros colegas de curso a explorarem maisa fundo as histórias dessas mulheres e reconhecer o valor que merecem. Escrever e aprendercom narrativas como as de Maria Bonita, Dadá e Sila foi uma experiência prazerosa eenriquecedora. Ao me aprofundar em suas vidas, obtive um acesso único à cultura nordestinaque, até então, me era desconhecida.Na conclusão, compartilho uma reflexão que permeia toda a extensão deste trabalho:Qual foi o crime cometido por essas mulheres? O simples fato de serem mulheres, e nadamais (Nascimento, 2022). Essa indagação ressoa como um eco persistente ao longo daspáginas dedicadas a desvendar as trajetórias dessas figuras marcantes no cenário docangaço.Ao explorarmos a vida de Maria Bonita, Dadá e Sila, deparamo-nos não apenas comsuas ações no contexto do movimento cangaceiro, mas também com as injustiças eadversidades que enfrentaram pelo simples fato de serem mulheres em uma sociedade que,por vezes, negava-lhes a voz e os direitos mais elementares.Essa reflexão não apenas ilumina a condição histórica dessas bandoleiras, mastambém nos incita a questionar as normas e preconceitos que, infelizmente, ainda persistemem muitos aspectos da sociedade atual. Ao evidenciar o "crime" de ser mulher como umanarrativa recorrente na história, este trabalho busca contribuir para uma conscientização maisampla sobre as lutas enfrentadas por mulheres historicamente e promover uma reflexão críticasobre as estruturas sociais que perpetuam tais desigualdades.REFERÊNCIASARAÚJO, Antonio Amaury Corrêa. 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Aconcentração desproporcional de terras não apenas limitou o acesso a recursos produtivos,mas também perpetuou relações desiguais de poder no meio rural, perpetuando um ciclo depobreza e exclusão.4 Significado de “Grilagem”[ O termo refere´se á pratica ilegal de falsificar documentos de propriedade deterras]3 Disponível em :https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundios Acesso em 26 de novembro de novembro de 20232 BRASIL.LEI No 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850.Dispõe sobre as terras devolutas do império.Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legais> Acesso em 16 de outubro de 2023https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundioshttps://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-170-anos-lei-de-terras-desprezou-camponeses-e-oficializou-apoio-do-brasil-aos-latifundioshttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lim%20601-1850?OpenDocumenthttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legaishttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legaisA situação dos pobres do campo dos fins do século XIX e começodo século XX, era de sertanejos sem terras, sem bens, semperspectivas de uma vida melhor, onde uma grande maioriabuscava uma saída para a situação de miséria em que viviam. E asaída encontrada por muitos era justamente nos grupos decangaceiros, nas seitas dos beatos e conselheiros, para tentar selivrar da situação em que viviam (Facó,1980, p. ?).Esse contexto econômico desigual propiciou o surgimento de conflitos crescentes,ameaçando as populações que, em ambientes hostis ou excessivamente desafiadores, careciamde segurança pública nos confins dessas áreas.No presente cenário, identificamos diversas oportunidades de pesquisa, destacando-sea análise aprofundada da presença feminina no contexto do Cangaço. O objetivo é conduziruma investigação que possibilite uma compreensão mais abrangente da participação dasmulheres no universo cangaceiro, especialmente ao examinar aquelas que não seautodenominavam como cangaceiras, conforme evidenciado em fontes específicas, que serãoabordadas neste estudo.Nessa perspectiva, é crucial reconhecer que a análise da participação feminina nocangaço ao longo do tempo tem sido predominantemente moldada por uma visão masculina.Abordando essa mentalidade, Perrot destaca que:Esse discurso é naturalista, reforçando a existência de duas categoriasdistintas, atribuindo aos homens características como inteligência, razãolúcida e capacidade decisória, enquanto às mulheres são destinadosatributos como sensibilidade e sentimentos, reforçando estereótipos degênero (Perrot, 2010, p.177).Mesmo com a emergência de uma abordagem renovada sobre as mulheres na históriaa partir da década de 1970 (Pinto; Alvarez, 2014), alguns renomados autores que sedebruçaram sobre o tema do cangaço ainda relegaram as mulheres a um papel secundário,como evidenciado na obra de Facó (1991), na qual as mulheres cangaceiras são meramentemencionadas, sem uma análise específica ou esclarecimento sobre suas contribuições nocontexto dos bandos. Essa perspectiva é reforçada por Britto, que problematiza a desigualdadena avaliação entre homens e mulheres no cangaço. Mesmo quando mencionadas, as mulheressão muitas vezes inseridas em uma lista exaustiva de autores, perpetuando a ideia de suaexcepcionalidade em relação a uma regra masculina. Essas questões, ainda presentes nosestudos sobre o cangaço, evidenciam a necessidade premente de uma análise maisaprofundada desse protagonismo feminino na fortuna crítica (Britto, 2016, p. 55).Não obstante, a busca pelas origens das mulheres dos cangaceiros tornou-seimportante nessa trilha por pesquisadoras como Lima (1965), Oliveira (1970), e Araújo(2012), com o intuito de identificar como se deu esse percurso, ao ser divulgado como oscangaceiros reagiam ao encontrar mulheres, sejam em lugares festivos ou lugares afastados, equais as motivações que mantinham essas participantes do fenômeno social entre a admiraçãopor heróis românticos, apaixonadas ou vítimas do rapto. historiadores como Caroline deAraújo Lima , que pesquisa o papel das mulheres no cangaço em seu doutorado naUniversidade Federal da Bahia(UFBA) em uma matéria para o site aventuras na história5acredita que é fundamental manter o olhar naquela sociedade:Ela tinha escolha? Considerando a sociedade sertaneja no início do século20 e a cultura e os códigos de honras pautados na violência, até ondeessas mulheres tinham opção? O amor aqui seria o que ? Possivelmentese submeter para sobreviver (LIMA, 2020, n.p).Ao iniciar uma análise aprofundada sobre o papel das mulheres no Cangaço brasileiro,torna-se evidente que essas mulheres provinham de diversas origens, refletindo as diferentesregiões por onde circulavam os líderes dos grupos envolvidos nesse movimento. A aceitação eparticipação dessas mulheres no cenário do Cangaço tiveram início com a influência marcantede Maria de Neném, posteriormente reconhecida como Dona Maria, no seio do Grupo deLampião, cuja história é narrada no cordel “Maria Bonita: a rainha do cangaço” de Morais(2016).Maria era baixinha,Rechonchuda, cativante,Considerada mulherBonita e interessante;Ela era boa filha,Tinha um jeito eleganteE Lampião a chamouPra no bando se integrar.Maria Bonita aceitouPra sua história contar,Primeira mulher no cangaço,Que no bando veio entrar (MORAIS, 2016, n.p.).Esse momento representa um ponto crucial na evolução da participação das mulheresno Cangaço. Maria de Neném tornou-se notória como Maria Bonita, um ícone feminino quedesafiou da sua maneira as normas da época e contribuiu para a construção da narrativa doCangaço a partir de uma perspectiva feminina. Essa mudança de Maria de Neném para MariaBonita marca não apenas uma transformação de nome, mas também uma afirmação deidentidade para as mulheres que passaram a integrar esse movimento5 Significado de “Grilagem”[ O termo refere´se á pratica ilegal de falsificar documentos de propriedade deterras]De certa forma, o Cangaço impõe respostas aos crimes sem aplicação de leis Umartigo redigido por Julia Saint Martin para o portal POLITIZE6 ganha destaque por meio deseu título provocador: "Lei de Terras: a reafirmação da estrutura latifundiária do Brasil". Apartir desta abordagem, torna-se evidente que, mesmo naquela época, as implicaçõesdecorrentes dessa legislação já confrontavam as poderosas famílias que, progressivamente,registravam vastas extensões de terras nos amplos sertões. As disposições da Lei de Terrasincluíam medidas para a regularização fundiária, como:(i) a intolerância à invasão de terras públicas; (ii) o perdão aos grandesproprietários de terras que haviam negligenciado a obrigação de cultivarsuas sesmarias; e (iii) a regularização das terras dos grandes posseiros,que obtiveram escrituras para suas propriedades (CITAR DE ONDEVOCE PEGOU).No entanto, a dinâmica para os camponeses e pequenos proprietários rurais foi distinta,pois estes foram confrontados com a imposição de elevadas taxas para a regularização de suaspropriedades. Esse contraste na abordagem da lei reflete a disparidade de poder e recursosentre os diferentes estratos sociais, reforçando as desigualdades estruturais existentes nasociedade da época.Consoante aos estudos de Michelle Perrot, as mulheres foram excluídas dos debateshistóricose as figuras masculinas sempre ganharam destaque perante o meio. A partir disso,entende-se que esse cenário revela um claro desprezo da historiografia em relação à mulherno contexto do Cangaço, que em sua grande maioria traz apenas a figura do homemcangaceiro nas estratégias vivenciadas no semiárido brasieiro. Nesse cenário, com base nahistória social, que traz “Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros”7,pretende-se analisar as diferentes formas como as mulheres do cangaço foram representadas elembradas na história, a fim de reconhecer e distinguir o papel destas mulheres identificadasno percurso do cangaço, na construção da identidade cultural e histórica do nosso país. Assim,torna-se cabível situar as mulheres nessa realidade do Cangaço, na perspectiva de umaabrangência de análise desse fenômeno considerado social e vivenciado, devendo se analisar ocangaço em sua formação, assim como identificar mudanças a partir da presença da mulher,buscando ênfase nessa dimensão na pesquisa.Segundo Chandler (2010), os cangaceiros, para algumas mulheres, são considerados“heróis românticos, eram grandes cantores [...]”. Diante dessas contradições, o presente7 PERROT, M. Os excluídos da história: operários,mulheres e prisioneiros. Paz e Terra, São Paulo, 2010.6 Disponível em:https://www.politize.com.br/lei-de-terras/#:~:text=A%20principal%20consequ%C3%AAncia%20da%20Lei,poder%20num%20Brasil%20majoritariamente%20rural. Acesso em 27 de novembro de 2023https://www.politize.com.br/lei-de-terras/#:~:text=A%20principal%20consequ%C3%AAncia%20da%20Lei,poder%20num%20Brasil%20majoritariamente%20ruralhttps://www.politize.com.br/lei-de-terras/#:~:text=A%20principal%20consequ%C3%AAncia%20da%20Lei,poder%20num%20Brasil%20majoritariamente%20ruraltrabalho tem como pretensão complementar situá-las numa presença de estrategistas, atémesmo quando se tornam mães, por se sustentarem, buscando destacar o protagonismo sociale histórico dessas mulheres e a sua presença marcante no movimento, desempenhandodiversos papéis que variam no espaço de medo, amor e violência.O movimento do Cangaço ocorreu no Nordeste do Brasil, mais especificamente nossertões, durante os séculos XIX e XX. Através desse espaço de domínio, percebe-se que háformas de resistência diante da situação política instaurada nas localidades interioranas , vistoque proporcionou um espaço de luta e sobrevivência, especialmente para as mulheres, quepuderam encontrar nesse ambiente hostil uma forma de ganhar voz ou um suposto destaqueem uma sociedade que as marginaliza.Ao entrarem no bando, adquiriram respeito e foram consideradascangaceiras e não simplesmente companheiras dos cangaceiros. Possuíamdireitos iguais perante os homens no que concerne a divisão de tarefasdentro do grupo (Oliveira, 1996. p. 20).Nesse sentido propõe- se analisar o cangaço e a participação das mulheres, cujospapéis foram diversos a partir dos anos 30 nesse fazer histórico do lidar com o medo, fugacoletiva , sedução, encantamento e afazeres no percurso em que foi vivenciado o ser mulher.Contudo será revelador de emoções, sentimentos, proteção e ousadia , de modo que setornaram participantes em tempo variado, no grupo feminino entre múltiplos grupos quecompuseram o Cangaço, considerando as diferenças entre habilidades e papéis cumpridosentre as mulheres de cangaceiros .Pretende se ao iniciar a Monografia por o Capítulo I com a abordagem a relevânciahistórico social do movimento que se fez presente na maioria dos estados nordestinos e aimportância da participação feminina nesse contexto tão múltiplo e desafiador às mulheresque foram inseridas em geral pela força ou pelo encantamento aos quais se submeteram.A entrada das mulheres no cangaço foi tema do II Capítulo que representou umamudança significativa na organização desse movimento, de acordo com o livro "Lampião: orei dos cangaceiros"A partir da década de 1930, algumas mulheres irão ocorrer em queestamos a pesquisar armados e em fugas (CHANDLER, 1980). O terceiro capítulo destetrabalho terá como objetivo examinar o legado deixado por essas mulheres durante o final domovimento e como estas foram retratadas e lembradas pela história oficial. É importantedestacar que, além da exclusão histórica, as mulheres do cangaço enfrentaram grandesdificuldades e contribuíram significativamente nessa luta de pessoas injustiçadas para a lutasocial e política no Nordeste.Por isso , é essencial situá-las como sujeitos históricos econtribuir com uma análise histórica nesse país. O trabalho visa explorar a participação dasmulheres no movimento do cangaço no Nordeste do Brasil, durante os anos de 1920 a 1940,período em que a presença feminina no cangaço começou a se destacar. Ao contrário da visãopredominante na historiografia e na literatura de cordel, que tende a reduzir as mulherescangaceiras a um papel secundário e estereotipado, este estudo busca compreender oprotagonismo possível que puderam exercer socialmente e historicamente dessasmulheres,que quando tiveram de enfrentar inúmeras adversidades em um contexto de extremapobreza e desigualdade social.Neste sentido, serão analisadas aspectos como a organização das mulheres em gruposdentro do movimento, suas relações no espaço de cangaceiros, suas práticas cotidianas e aforma como elas se tornaram agentes de resistência e sobrevivência em um ambiente tãohostil. Assim, este trabalho busca contribuir para uma maior e reconhecimento da participaçãodas mulheres no cangaço, como sujeitos ativos e estratégicos na luta contra as desigualdadesde gênero e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.CAPÍTULO 2 - O ENQUADRAMENTO SOCIOPOLÍTICO DO CANGAÇOO presente capítulo estreia a pesquisa de maneira introdutória ao explorar temasfundamentais que servirão como base para a compreensão das dinâmicas sociais e históricassubjacentes ao cangaço, um fenômeno emblemático que marcou historicamente o nordestebrasileiro. A perspectiva deste capítulo se desdobrará em partes cujo estes deram suporte aosurgimento do movimento: A Lei de terras, o banditismo social e a conjuntura do nordestenaquele período. Neste capítulo introdutório, serão delineados os contornos de cada um dessestópicos, lançando bases para uma compreensão mais profunda dos desenvolvimentossubsequentes.Para uma compreensão mais profunda da importância do cangaço e sua influência nocontexto social e político do Brasil, é necessário considerar um quadro complexo,entrelaçando nuances culturais e eventos históricos. A vasta região do Nordeste, desde o finaldo século XIX até o início do século XX, enfrentou desafios profundos, incluindo apersistente seca, carências estruturais e profundas desigualdades socioeconômicas. Uma dascrises mais notáveis foi a seca de 1915 que foi cenário para diversas obras escritas como olivro O Quinze , de Rachel de Queiroz.A seca de 1877-1879 ocorreu após mais de trinta anos de chuva quepermitiriam ao sertão desenvolver-se de maneira considerável, três anosde seca bastaram para destruir a vida econômica de uma parte do sertão,provocando a morte de milhares de sertanejos e obrigando muitos aabandonar a região. (GRUNSPAN, 2006, p. 23).Nesse cenário de crise, em 1920, surgiu a Caixa Especial de Obras de Irrigação deTerras Cultiváveis do Nordeste Brasileiro, financiada com 2% da receita tributária anual daUnião. No entanto, apesar dessa iniciativa, pouco foi feito efetivamente para solucionar oproblema da seca e suas graves consequências. As comunidades nordestinas continuaramenfrentando a escassez de água, perdas de colheitas e a ameaça constante da fome.Essa seca persistente e a resposta inadequada das autoridades governamentais criaramum ambiente propício para o surgimento de movimentos insurgentes e contestatórios, como ocangaço. Diante das adversidades impostas pelas condições climáticas severas e pelasdisparidades socioeconômicas,as populações sertanejas encontraram no cangaço uma formade resistência e desafio às estruturas de poder estabelecidas. Portanto, o cangaço não pode sercompreendido isoladamente, mas sim como parte de um contexto mais amplo de luta contra aadversidade e a opressão no Nordeste brasileiro.Nesse contexto, Carla Bassanezi, autora de "Fontes Históricas" de 2005, destaca aabordagem que contempla a história a partir de perspectivas amplas e inclusivas, como aconhecida perspectiva "vista de baixo" (ou 'history from below'). Essa abordagem joga luzsobre as vivências de grupos e estratos sociais previamente negligenciados. Essa abordagemnão só proporcionou uma nova visão, mas também lançou um profundo foco sobre as culturasde resistência que se desenvolveram nessas circunstâncias. A ênfase dada aos olhares e àsvozes dos indivíduos comuns enriquece a compreensão do passado, permitindo-nos desvelar acomplexa trama de relações sociais e culturais que permearam o cangaço e suas implicações.Para desvendar os intrincados matizes subjacentes ao movimento do cangaço, éimperativo recuar uns 70 anos atrás, quando a lei de terras (Lei nº 601, de 18 de setembro de1850)8, se ergueu como um pilar fundamental na construção do cenário fundiário brasileiro.Esta legislação, ao estabelecer as bases legais para a apropriação e distribuição de terras,delineou uma abordagem que colocava em destaque a promoção da propriedade privada e aconcentração fundiária. Contudo, os ecos dessa lei reverberar amplamente ao longo do tempo,deixando uma marca indelével na formação dos latifúndios, que concentravam vastasextensões de terra, e dos minifúndios, parcelas menores que frequentemente não detinham acapacidade de garantir a subsistência adequada. Este sistema, por sua vez, segundo Vitor d'Angelo em uma matéria sobre a Lei da Terra para o site uol9, originou uma disparidade9 Disponível em:https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/lei-de-terras-lei-de-1850-contribuiu-para-manter-concentra8 BRASIL. LEI No 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do império.Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legais> Acesso em 16 de outubro de 2023.https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/lei-de-terras-lei-de-1850-contribuiu-para-manter-concentracao-fundiaria.htm#:~:text=Mesmo%20tendo%20sido%20um%20passo,nas%20grandes%20fazendas%20de%20caf%C3%A9http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lim%20601-1850?OpenDocumenthttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legaishttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm#:~:text=LEI%20No%20601%2C%20DE,sem%20preenchimento%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20legaissócio-econômica historicamente arraigada que permeia as estruturas sociais até os diascontemporâneos.Por uma outra perspectiva, o cangaço transcende a mera reação a uma justiça nãoalcançada e reverberou na amplificação do poder detido por uma elite. Facó10 afirma que omonopólio da terra era uma das principais causas que geraram o cangaço. Desde apromulgação da lei de terras em 1850, seus efeitos entraram-se profundamente nas famílias decamponeses desprovidos de recursos e nos produtores em situações precárias.Consequentemente, em face da consolidação do poderio econômico, emergiram desigualdadese conflitos crescentes, os quais constituíram ameaças palpáveis às populações desprivilegiadasde acesso à segurança pública nas regiões mais longínquas e ásperas. Frequentemente, essasáreas eram caracterizadas por ambientes desafiadores, cujas condições severas adicionavamum grau adicional de complexidade à já intricada dinâmica que envolvia o fenômeno docangaço.Um exemplo marcante que ilustra essa perspectiva é o episódio de Canudos, que sedesenrolou no final do século XIX no sertão nordestino do Brasil. Em uma abordagem maisabrangente sobre o tema, Mariana Barbosa11 explica que a comunidade de Canudos, lideradapor Antônio Conselheiro, era majoritariamente composta por camponeses empobrecidos edesfavorecidos em busca de uma vida melhor e de uma maneira de escapar da opressão daselites locais, assim como das condições de vida precárias. Ao consolidar sua comunidade combase em princípios religiosos e sociais, Antônio Conselheiro e seus seguidores desafiaramdiretamente as estruturas de poder estabelecidas na região, incluindo latifundiários e políticoslocais. Essa audácia resultou em perseguições violentas por parte das autoridades estaduais efederais, que perceberam em Canudos uma ameaça à ordem social estabelecida. Esse eventoilustra como o poder, a opressão e a busca por justiça eram elementos intrínsecos ao cangaço,estendendo-se para além das atividades dos cangaceiros e permeando toda a sociedadesertaneja da época.Segundo Hobsbawm em seu célebre livro Bandidos de 2012, o banditismo socialrepresentava um fenômeno com o qual a população precisava aprender a conviver. Eleflorescia em áreas onde não havia um mecanismo regular de manutenção da ordem. Apoiar esustentar o banditismo frequentemente era visto como uma opção mais segura do que chamar11 BARBOSA, Mariana de Oliveira Lopes. "Guerra de Canudos"; Brasil Escola. Disponível em:https://brasilescola.uol.com.br/historiab/canudos.htm. Acesso em 30 de novembro de 2023.10 FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos.Rio de Janeiro:Livraria Descartes,1972, p. 8).cao-fundiaria.htm#:~:text=Mesmo%20tendo%20sido%20um%20passo,nas%20grandes%20fazendas%20de%20caf%C3%A9. Acesso em 28 de novembro de 2023.https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/lei-de-terras-lei-de-1850-contribuiu-para-manter-concentracao-fundiaria.htm#:~:text=Mesmo%20tendo%20sido%20um%20passo,nas%20grandes%20fazendas%20de%20caf%C3%A9https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/lei-de-terras-lei-de-1850-contribuiu-para-manter-concentracao-fundiaria.htm#:~:text=Mesmo%20tendo%20sido%20um%20passo,nas%20grandes%20fazendas%20de%20caf%C3%A9a atenção do Estado. As forças expedicionárias do Estado muitas vezes resultavam nadevastação da economia local e na desgraça da população, superando em intensidade qualquerinvestida dos bandos locais. Nesse sentido, o banditismo social oferecia uma espécie deordem e proteção nas regiões onde a presença do Estado era precária ou prejudicial.Para compreender a evolução do banditismo, é crucial mergulhar no contexto históricodo Brasil, especialmente na região nordeste que, por volta de 1920, estava marcada porprofundas desigualdades em comparação com outras partes do país. A carência de acesso arecursos essenciais como água e comida agravava ainda mais essa situação. O banditismosocial, nesse cenário, emerge como uma resposta à marginalização e exploração queassolavam essa região (Lira, Silva, Martins, 2014).O banditismo social encontra uma expressão viva na história de Lampião, uma figuraemblemática do cangaço. Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, personificouos pilares centrais desse fenômeno ao liderar um grupo de cangaceiros na região nordeste doBrasil durante as décadas de 1920 a 1940. Era tido como bandido para alguns e justiceiro paraoutros mais ressaltasse que e figura de justiceiro não é uma imagem muito compartilhadanem pela maioria daqueles que viveram o cangaço, nem por muitos estudiosos do assunto(Lira, Silva, Martins, 2014).As obras sobre Lampião e outros cangaceiros são numerosas. Datam da época docangaço mas outras continuam a aparecer regularmente (WIESEBRON, 1994, p.418)Os seguidores de Lampião eram, em grande parte, camponeses despossuídos, trabalhadoresrurais em situação de pobreza e pessoas marginalizadas. Sua união não era apenas uma formade resistência contra exploração e desigualdades socioeconômicas, mas também uma respostadireta à falta de justiça efetiva nas áreas remotas do nordeste brasileiro. O movimento docangaço, liderado por Lampião, não se limitou à criminalidade; ao contrário, foi umamanifestação enraizada na luta contra as injustiças sociais e a opressão.A situação dos pobres do campo no fim do século, e mesmo em plenoséculo XX, não se diferenciava daquela de 1856. Era mais do que natural,era legítimo, que esses homens sem-terra, sem bens, garantias, buscassemuma "saída" nos grupos de cangaceiros, beatos e conselheiros, sonhando aconquista de uma vida melhor. E muitas vezes lutando por ela a seumodo, de armas nas mãos.” (FACÓ, 1972, p. 13).Essa dimensão do cangaço como banditismo social é corroborada por Chandler, umautor que publicou uma vasta obra sobre o tema.12 De acordo com críticos que o referenciam,Chandler estabelece paralelos entre o cangaço e outras situações no mundo, como Robin12 CHANDLER, Billy. Lampião, o rei do cangaço. São Paulo : Companhia das letras,2010.Hood na Inglaterra, as aventuras de Pancho Villa no México e figuras americanas como JesseJames. No contexto brasileiro, Lampião emerge como um exemplo emblemático dessefenômeno. Chandler aponta para o fato de que o cangaço transcendeu a mera criminalidade,envolvendo-se em uma luta complexa e enraizada pela justiça social. Nesse sentido, a históriade Lampião e o cangaço são uma manifestação eloquente do banditismo social e suasimplicações mais amplas.Imagem 2 : O Banditismo no Nordeste.Fonte: Jornal “A Noite” edição de 14 de Dezembro de 1932.No centro dessa emaranhada teia histórica, Lampião ascendeu como uma figuracentral, um líder carismático e controverso que personificou os anseios, a revolta e a buscapor justiça de muitos indivíduos marginalizados(Lins ,2001). Sua liderança no movimento docangaço não apenas simbolizou a resistência à injustiça, mas também revelou a complexidadedas forças que deram forma a essa era de tumulto social.A grande maioria dos cangaceiros provinha das camadas mais desfavorecidas dasociedade sertaneja. No entanto, também existem exemplos de indivíduos cujas situaçõeseconômicas eram de classe alta, mas que ainda assim foram atraídos para o cangaço devidoaos fatores predominantes. Dentre esses fatores, a busca por vingança emergia como um dosprincipais motores para a adesão ao cangaço. A própria trajetória de Lampião,ilustra esseaspecto, visto que, antes de se tornar um ícone do movimento, ele era filho de um fazendeiro.No entanto, Lampião vivenciou a tragédia de ver seu pai e grande parte de sua família serembrutalmente assassinados devido à perseguição do proprietário do latifúndio vizinho à suacasa (Lins, 2001, p. ?)Na busca por uma compreensão mais profunda da perspectiva que permeia o cangaço,é imperativo adentrar no complexo universo do sertanejo. Como sustentado no livro OsSertões13, o sertanejo é “antes de tudo, um forte”, uma máxima que ressoa com significadonas entranhas dessa cultura. O sertanejo transcende a definição de mero indivíduo; elepersonifica uma mistura rica e complexa daqueles que povoaram as vastidões do interiornordestino do Brasil. Longe de ser um ente isolado, o sertanejo é um compêndio deexperiências, aspirações e desafios partilhados por muitos que se viram enredados nessecenário desafiador.É dentro desse contexto que o cangaço assume contornos ainda mais profundos. Ocangaço emerge como uma resposta quase instintiva aos dilemas que afligem o sertanejo. Aconcentração de terras nas mãos de poucos, o monopólio das propriedades rurais e a ausênciade oportunidades econômicas deixam de ser questões teóricas para se tornarem desafiosconcretos para o sertanejo (Lira, Silva, Martins, 2014). O cangaço, portanto, não é uma meraexpressão de desvio criminal, mas sim um reflexo das tensões reprimidas e das aspiraçõessufocadas dessas comunidades.No âmbito abrangente do sertão nordestino, destaca-se uma faceta adicional,intrincada e enigmática, que amplifica a complexidade desse ambiente: o papel da mulher. Emmeio às entranhas dessa região árida e desafiadora, as mulheres não apenas assumiram umaposição de destaque, mas também se viram imersas em uma intrincada teia de tradições,normas sociais e contradições que moldaram de maneira singular suas existências. A realidadedas mulheres sertanejas desdobrava-se em camadas múltiplas, revelando uma rica diversidadede experiências e perspectivas que destacava a essência resiliente e multifacetada dafeminilidade, florescendo de maneira notável em meio às adversidades circunstanciais. Natessitura desse contexto, as mulheres sertanejas não apenas resistiram às condições rigorosas,mas também se revelaram como agentes ativas na construção do cenário social e cultural dosertão. Conforme apontado por Santos:“De certo, as cangaceiras não tiveram como objetivo umarevolução, uma união pela equidade, porém, seus atos, por maisisolados que sejam, dentro do contexto já descrito, são arepresentação do princípio da modificação nas práticas e discursosde gênero no sertão” (Junior, 2010, p. 134).13 CUNHA, Euclides. Os Sertões. São Paulo: Martin Claret;1ª edição, 2017.No contexto do cangaço, assunto que será abordado de maneira mais aprofundada nopróximo capítulo,a relevância das mulheres sertanejas ganhar contornos ainda maisprofundos. Elas não se limitavam apenas a serem meras coadjuvantes na história doscangaceiros. Algumas, como Maria Bonita, transcenderam as normas impostas e tiveram umpapel de destaque no seu próprio bando, desafiando as convenções sociais de gênero quepermeava á época.Salve Maria bonitaQue na história ficou.Dou vivas ao centenárioDa mulher que se rebelouPara viver sua opçãoSem ligar para o padrãoQue a sociedade ditou14 (Frazão,2023, p. ?).Dentro do contexto do cangaço, o papel das mulheres ganha dimensões ainda maisemaranhadas. Nos bandos, suas funções e contribuições eram diversificadas, refletindo amultifacetada natureza de suas habilidades e capacidades. Enquanto algumas cangaceiras,como Ilda Ribeiro da Silva, mais conhecida como Sila, se lançavam corajosamente à linha defrente das batalhas (Freitas,2005), outras como Maria Gomes de Oliveira popularmenteconhecida como Maria Bonita operavam nos bastidores, desempenhando um papel vital parao funcionamento eficaz dos bandos.Imagem 3 - As Cangaceiras Nenê, Maria Jovina e Durvinha.Fonte: Benjamin Abrahão, Data e local não especificado.É de suma importância sublinhar que a abordagem historiográfica sobre a entrada dasmulheres no cangaço se divide em duas perspectivas distintas, cada qual lançando luz sobre a14 Disponível em :https://xapuri.info/salve-salve-maria-bonita-maria-de-lampiao/ Acesso em 03 de novembro de2023https://xapuri.info/salve-salve-maria-bonita-maria-de-lampiao/complexidade desse fenômeno. A primeira, delineada na obra As Táticas de Guerra dosCangaceiros15, que apresenta um panorama multifacetado. Embora não se alinhem demaneira direta com interpretações que argumentam que a maioria das mulheres foiincorporada ao bando por meio de força, como rapto, a análise de Machado abre espaço parauma variedade de fatores que contribuíram para essa incorporação. Essa visão admite que,embora alguns casos possam ter sido impulsionados por paixões, como evidenciado peloicônico exemplo de Maria Bonita, outras motivações e circunstâncias tambémdesempenharam papéis significativos.Em contrapartida, a socióloga Maria Isaura de Queiroz oferece uma perspectivadiferente quanto à inserção feminina no banditismo social. Para ela, a adesão das mulheres aocangaço não se configura apenas como uma resposta a circunstâncias externas, mas sim comouma escolha pessoal fundamentada em aspirações e possibilidades. Sob essa lenteinterpretativa, a incorporação ao cangaço se revelava para as sertanejas de condiçãoeconômica desfavorecida como uma oportunidade para se libertar dos trabalhos ruraisextenuantes. Alémdisso, Queiroz destaca que essa escolha também estava intrinsecamenterelacionada às perspectivas de ascensão social, um meio de escapar das limitações impostaspela estrutura social vigente.Dentro do rico cenário do cangaço, outra figura que desempenhou um papel crucialdentro de toda essa complexidade e não pode ser deixada de lado é o “volante”. Esse termo,carregado de significados e implicações , refere-se às forças de repressão e combate aocangaço, compostas por agentes governamentais e militares designados para enfrentar osbandos de cangaceiros (Rocha,2023). A presença deles e seu papel diante de todo essepanorama é complexa e multifacetada que atingia diretamente as dinâmicas sociais e aspolíticas da época.Um exemplo marcante dessa violência está registrado nas palavras de Facó. Eleressalta que as volantes, milícias encarregadas de combater os bandos de cangaceiros, muitasvezes cometeram crimes mais terríveis do que os próprios cangaceiros mais sanguinários. Deacordo com Facó (1976,p 36):”[...] onde quer que a polícia tenha chegado para perseguircangaceiros ou 'fanáticos', praticou contra as populações rurais crimes mais hediondos do queos cangaceiros mais sanguinários[...]". Essa observação evidencia a brutalidade das volantes ea magnitude dos horrores enfrentados pelas comunidades sertanejas durante esse turbulentoperíodo da história nordestina.15 MACHADO,Christina. As táticas de guerra dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1969.No meio desse cenário repleto de tensões e conflitos, as mulheres enfrentavam umdilema angustiante e desolador.. Por exemplo, o caso de Sila, que aos 14 anos de idade foilevada por Zé Sereno para ser sua mulher, é um exemplo doloroso disso. Elas eram raptadas esubmetidas a relações forçadas, uma prática trágica que marcava suas vidas de maneiraindelével. Ao mesmo tempo, sofriam violência por parte dos bandoleiros e, simultaneamente,da polícia. O estupro, arma utilizada tanto pelos cangaceiros quanto pelas forças volantes,atingia, sobretudo, as mulheres pobres (Neto, 2012).Além de sofrerem com as violentas dinâmicas internas do cangaço, as cangaceirastambém estavam sob a ameaça constante das práticas das volantes. Os espancamentos, osestupros, as mutilações e a constante ameaça de morte eram uma realidade aterrorizante com aqual elas viviam diariamente. .No livro Angico, eu sobrevivi, a sergipana Ilda Ribeiro deSouza, a Sila, mulher de Zé Sereno, o José Ribeiro Filho, lembra que o maior temor dascangaceiras era serem presas pelas volantes. “Sabíamos que seríamos submetidas a estupros eatrocidades terríveis. Eles nos chamavam de prostitutas, e sonhavam em nos pegar paraatemorizar nossos companheiros”.Imagem 4: Volantes.Fonte: Domínio Público.Uma dimensão profundamente relevante que merece destaque é a influência dareligiosidade no contexto do cangaço, uma intersecção que lança luz sobre as crenças, valorese complexidades entrelaçadas nessa narrativa. A religião, nesse cenário, desempenhamúltiplos papéis emocionais e psicológicos para os cangaceiros, que enfrentavam dificuldadesextremas. Nas vastidões áridas e impiedosas do sertão, onde a vida se entrelaçam com anatureza implacável e o ciclo constante de vida e morte, as crenças religiosas ofereciam umfio de esperança, conforto e uma maneira de encontrar sentido no desconhecido diante de todaadversidade.No entanto, a religiosidade no cangaço podia assumir formas mais complexas. Algunscangaceiros adotavam crenças e símbolos religiosos não apenas para encontrar consolo, mastambém como uma estratégia de sobrevivência e poder. A utilização de amuletos, bênçãos epráticas de proteção era uma prática comum entre esses grupos, acreditando-se que taismedidas poderiam conferir uma vantagem sobrenatural em situações de confronto ou perigoiminente (Montenegro,1973).Um dos exemplos mais marcantes do entrelaçamento entre a religiosidade e o cangaçoé a notória história de Lampião. Este icônico líder cangaceiro não apenas se destacava porsuas táticas de guerrilha e resistência, mas também pela profunda devoção religiosa quepermeava sua vida e a de seus seguidores. Carregando consigo imagens de santos, amuletos eobjetos religiosos, Lampião acreditava que esses itens detinham poderes especiais quepoderiam conferir-lhe proteção nas batalhas e em sua vida tumultuada.Pode parecer absurdo, mas Lampião, como quase todo sertanejonordestino, era um místico. Não só acreditava em Deus, como tambémnos santos e em reza forte. Tinha por hábito, sempre que podia, aomeio-dia, com o sol a pino, afastar-se um pouco para o canto e, de joelhosem terra, bater com a mão ossuda no peito magro e rezar pelas almas dosmortos. Não apenas almas dos que foram amigos, mas também dosdefuntos de “sua fabricação” (CARVALHO, 1976, p. 18).De acordo com relatos de Macedo em seu livro Sinhô Pereira, a devoção religiosa deLampião era palpável, com "muitas orações de Lampião". As práticas espirituais variavamdesde as orações proferidas na Pedra Cristalina até as treze palavras repetidas e respondidas,bem como a prece a Deus. Essas práticas não apenas refletiam a busca de proteção divina,mas também eram um reflexo das complexas interações entre a fé, a cultura e o contexto emque o cangaço florescia.Imagem 5: Lampião no Sertão Nordestino.Benjamin Abrahão/Acervo IMS.Dentro da intrincada trama do cangaço, emerge um papel de destaque que muitasvezes permanece nas sombras: o dos coiteiros. Esses indivíduos, frequentementesubestimados, desempenharam um papel fundamental no fornecimento de apoio logístico e nasustentação dos grupos de cangaceiros. Os coiteiros, de maneira essencial, ofereciam abrigo,mantimentos, informações e, por vezes, recursos financeiros aos cangaceiros, tornando-sepeças-chave na viabilização das operações dos bandos.Como o apoio logístico dos cangaceiros vinha da população que, pordiversos motivos, fornecia-lhes víveres, armas, munições, informações,etc. A principal e talvez mais eficaz tática de combate ao cangaço foiaquela que visou reprimir mais de perto e com mais energia, corno sedizia então, todos aqueles que eram ao menos suspeitos de dar qualquerapoio aos bandidos. A polícia classificou-os com o nome genérico decoiteiros (Villela,1999, p. ?).Nos recantos áridos e traiçoeiros do sertão nordestino, onde os cangaceirostransitavam em busca de refúgio e mobilidade, os coiteiros formavam uma rede clandestina deapoio. Segundo um vídeo do canal cangaçologia 16eles desempenhavam um papel crucial aofornecer esconderijos estratégicos, compartilhar informações vitais sobre as movimentaçõesdas forças policiais e, em certos momentos, ajudar na obtenção dos mantimentos essenciaispara a subsistência dos cangaceiros. No entanto, é importante notar que a motivação doscoiteiros nem sempre estava ancorada em simpatia ideológica ou política; muitas vezes, eraalimentada pelo medo das retaliações caso se recusassem a colaborar.Um dos episódios mais notórios envolvendo um coiteiro e o cangaço é o caso dePedro de Cândido, que ganhou fama como um traidor de Lampião. O historiador epesquisador José Jairo, em seu trabalho intitulado "O Lobisomem e o Coiteiro de Lampião",relata ironicamente o papel desempenhado por Pedro de Cândido e seu irmão mais novo,Durval, no desfecho trágico que culminou na morte de Lampião, Maria Bonita e mais novecangaceiros, juntamente com o destemido soldado Adrião Pedro de Souza.Foi Pedro deCândido, juntamente com Durval, que guiou as forças policiais até a Grota de Angico, ondeocorreu o confronto fatal em 28 de julho de 1938. Esse evento marcou o início do fim docangaço. Após a morte de Lampião, Pedro de Cândido assumiu o cargo de subdelegado dePiranhas, tornando-se uma figura destacada no Distrito de Entremontes, onde substituiu seuirmão, José Rodrigues Rosa, mais conhecido como Zezé de Cândido. Essa reviravolta nahistória de Pedro de Cândido, indode coiteiro de Lampião a subdelegado, demonstra a16 Disponível em :https://xapuri.info/salve-salve-maria-bonita-maria-de-lampiao/ Acesso em 03 de novembro de2023https://xapuri.info/salve-salve-maria-bonita-maria-de-lampiao/complexidade das relações e das motivações que envolviam os sertanejos que, em diferentesmomentos e por diversas razões, se relacionaram com o cangaço.O cenário do cangaço, com todas as suas complexas dinâmicas, não pode serplenamente compreendido sem uma análise aprofundada de outro elemento profundamenteenraizado naquela região: o coronelismo. O coronelismo, um sistema de poder político eeconômico, permeava as estruturas sociais do Nordeste brasileiro, exercendo uma influênciamarcante sobre os rumos das comunidades e os destinos individuais. Este fenômeno nãoapenas configurou o pano de fundo para o surgimento do cangaço, mas também interagiuintrinsecamente com as trajetórias dos cangaceiros e coiteiros, lançando luz sobre acomplexidade da interconexão social e política.O termo "coronelismo" evoca os latifundiários conhecidos como "coronéis",protagonistas centrais na organização e controle das áreas rurais. Estes líderes locais detinhamum poder abrangente, envolvendo aspectos políticos, econômicos e judiciais. Além depossuírem vastas extensões de terra, exerciam uma influência direta na vida cotidiana dascomunidades, determinando questões cruciais como a distribuição de terras e recursos, oacesso a serviços básicos e até mesmo a participação política dos habitantes locais. Ainterligação entre esses líderes e o cotidiano das comunidades foi tão intrínseca que não sepode compreender o fenômeno do cangaço sem considerar o papel central desempenhado pelocoronelismo (Medeiros, 2019).No sertão nordestino, onde o cangaço ganhou forma, o coronelismo estavaprofundamente entrelaçado com a vida das comunidades. Os coronéis frequentementeatuavam como mediadores de conflitos locais, mas essa mediação nem sempre era isenta deinteresses pessoais. A influência dos coronéis podia tanto se alinhar quanto se chocar com osobjetivos dos cangaceiros e coiteiros. Enquanto os cangaceiros representavam uma resistênciadireta contra as estruturas de poder coronelista, os coiteiros, apesar de colaborarem com oscangaceiros, podiam fazer parte da mesma rede de interesses que os coronéis detinham.O sucesso de Lampião apoiava-se na rede de coiteiros e no abastecimentoconstante de armas. Sustentava-se pelo suborno e pelos tratos entre ocangaço e o coronelismo, que definiam zonas livres de perseguição eindicavam áreas onde os cangaceiros podiam cometer seus assaltos. Essasáreas pertenciam naturalmente ao ‘território inimigo’, redutos de políticosou famílias contrárias aos protetores de Lampião (Paizante, Almeida;Santos, Ramalho. Lage, blog, 2010).Um exemplo clássico que exemplifica essa dinâmica é o caso de Antônio Ferreira deMacedo, conhecido como Antônio Dó. Ele era um fazendeiro da região de Mossoró, no RioGrande do Norte, e manteve uma relação ambígua com o cangaço. Embora tenha colaboradocom Lampião e seu bando em algumas ocasiões, também forneceu informações às autoridadespara capturá-los. Dó era visto como um aliado dos cangaceiros quando lhes convinha e comoinformante quando a situação se reverteria.Essa oscilação entre colaboração e traiçãoevidencia a complexidade das interações entre coronéis e cangaceiros durante esse períodohistórico tumultuado.O fim do cangaço é um capítulo da história que se desenrola de maneira confusa econtroversa, ecoando a complexidade que permeou toda a trajetória desse movimento. Àmedida que as décadas de 1930 e 1940 avançavam, o cangaço, que por tanto tempo desafiouas forças do governo e da sociedade, começou a mostrar sinais de enfraquecimento, ainda quede forma gradual e hesitante.Simultaneamente, transformações profundas no panorama político e social do Brasilexerceram uma influência marcante sobre o Nordeste e, por conseguinte, sobre o fenômeno docangaço. De acordo com as análises do historiador Frederico Pernambucano de Mello,Lampião, embora vivesse fora da lei, mantinha relações notáveis com os detentores do poder.Coronéis e políticos protegiam-no, como evidenciado pelo relacionamento amistoso entreLampião e o governador de Sergipe, Eronildes Ferreira de Carvalho, que não apenas mantinhauma amizade com o cangaceiro, mas também lhe fornecia armamento e munição. O governode Getúlio Vargas, conhecido por sua política de modernização e centralização do poder,implementou uma série de medidas destinadas a consolidar o controle do Estado sobre regiõesremotas do país, incluindo o Nordeste. Essas ações buscaram encerrar a promiscuidade entre opoder público e o banditismo, representada pelo apoio explícito que Lampião recebia deautoridades locais17.Um dos eventos mais significativos que marcou o declínio do cangaço foi o chamado"Massacre de Angicos" em julho de 1938. Nesse trágico episódio, um grupo militar lideradopelo tenente João Bezerra da Silva e o sargento Ferreira de Melo, conseguiu surpreender obando de Lampião e Maria Bonita enquanto eles descansavam em uma fazenda com todo oseu bando .O fato é que no raiar da manhã do dia 28 de julho de 1938, o silêncioquase de catedral da grota de Angico (SE) foi quebrado pelo tiro queacertou Lampião. Depois do primeiro disparo, o espaço foi preenchidopelo soar ensurdecedor de metralhadoras por quase vinte minutos.Resultado da investida: doze mortos. A polícia volante comandada pelotenente João Bezerra teve uma baixa do lado dos cangaceiros, Lampião,Maria Oliveira e mais nove integrantes do grupo. O soldado Sebastião17 Disponível em:https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/fim-do-bando-de-lampiao-o-rei-do-cangaco/ Acesso em03 de dezembro de 2023.https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/fim-do-bando-de-lampiao-o-rei-do-cangaco/Vieira Sandes teria empunhado seu facão e degolado Lampião. Emseguida, José Panta de Godoy teria decapitado Maria quando ela aindaagonizava (NEGREIROS, 2018; MELLO, 2018).O combate resultou na morte de vários cangaceiros, incluindo o próprio Lampião eMaria Bonita, um golpe devastador para o movimento do cangaço que foi marcado pelaexposição de suas cabeças em jornais de todo o país e até mesmo na imprensa internacional(Cristóvão de Sá ,2020). O massacre de Angicos, entretanto, não marcou o fim absoluto docangaço, mas sim um ponto crítico em sua história.Enfim morreu LampiãoEle e Maria BonitaMais nove cabras do bandoNuma manhã tão aflitaE mesmo os que escaparamO cangaço ali deixaramDe forma muito esquisita.Depois que cessou o fogoEstava feita a desgraçaPegaram tudo que tinhamSem nem baixar a fumaçaPara que o povo reconheçaCortaram as onze cabeçasE expuseram na praça.Os soldados do massacreDepois que tudo pegaramAlguns ficaram ricosCom o que eles deixaramE como foram valentesTodos ganharam patentesPela luta que ganharamA 28 de julhoEssa tragédia se deuTambém morria o cangaçoQue Lampião ascendeuE hoje a sua memóriaEstá expressa na históriaQue o próprio povo escreveu.Se foi herói ou BandidoRespeitemos a memóriaEle marcou sua épocaEscreveu a sua históriaO que pensou que venceuAo lhe matar estendeuPra sempre a sua vitória 18 (Santos, p.122 - 123 citado por Souza).Imagem 6: As cabeças de Lampião(última debaixo), Maria Bonita (logo acima de Lampião) e outroscangaceiros do bando.Fonte: 'Ciclo do Cangaço: Memórias da Bahia, de José Castro/Wikipedia)Imagem 7: A Repercussão da morte de Lampião internacionalmente.18 SOUZA, Anildomá Willans de. Nas pegadas de Lampião, Copyright, Anildomá Willans de Souza,2014, 1º edição.Fonte: Diário de Pernambuco, 30 de julho de 1938.Com a notícia do falecimento do principal símbolo, vários conjuntos de cangaceiroscomeçaram a abandonar o cangaço, temerosos de represálias letais. A administração dopresidente Getúlio Vargas ofereceu perdãoaos que se entregassem, contribuindo assim para odesmantelamento. Nesse período de declínio, o cangaceiro Corisco, figura proeminente daépoca, encontrou sua morte em 1940 pelas forças de segurança em Barra dos Mendes,município baiano. Corisco havia sido membro do bando liderado por Lampião. Várioscangaceiros optaram pela fuga ou cumpriram suas penas, conseguindo reintegrar-se àsociedade de maneira legal, vivendo até alcançarem idades avançadas (Pimentel, 2018).Diante do conteúdo apresentado no vídeo “Corisco e Dadá - O Fim do Cangaço”19, épossível concluir que a imprensa e a cultura popular desempenharam um papel fundamentalna mitificação, ainda em vida, da figura dos cangaceiros, destacando especialmente Lampiãoe seu grupo. Essas lendas persistiram ao longo do tempo, assim como a memória dolorosa dossertanejos que enfrentaram a seca e a violência em suas diversas manifestações. A narrativaressalta a importância de preservar essa memória, considerando-a inesquecível, como umtestemunho vívido de um período marcante na história do Nordeste brasileiro.Imagem 8: Maria Bonita e Lampião na caatinga em 1936.19 Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=PZxpH6HmtIQ Acesso em 03 de dezembro de 20https://www.youtube.com/watch?v=PZxpH6HmtIQBenjamin Abrahão Botto. (Acervo Abafilm, Fortaleza – CE/ Família Benjamin Abrahão -RJ/ FamíliaFerreira Nunes, Aracaju-SE).CAPÍTULO 3 - RAINHAS DO CANGAÇO: AS GUERRILHEIRAS DO SERTÃONeste segundo capítulo, adentramos profundamente no intrigante e pouco exploradouniverso das mulheres no cangaço, desvelando suas funções multifacetadas e o significado desuas vidas dentro deste movimento, meu objetivo neste capítulo é lançar luz sobre essasfiguras frequentemente negligenciadas e proporcionar uma compreensão mais rica de seupapel na história do Brasil.Ao adentrar no intrincado universo da história do cangaço, somos imediatamentetransportados para o árido e implacável cenário do sertão nordestino do Brasil no início doséculo XX. Este período foi marcado por uma devastadora seca, pela opressão social e pelafervorosa busca por justiça, quando indivíduos destemidos ergueram-se contra as flagrantesinjustiças que assolavam a região. Dentro desse rico contexto, as mulheres emergem comoprotagonistas genuínas da resistência, demonstrando uma coragem incomparável.O papel da mulher na sociedade brasileira na década de 1930 é notavelmente distintodo que encontramos nos dias de hoje. Embora algumas práticas tenham persistido ao longo dotempo, nossa cultura ainda ostenta traços pronunciados de patriarcado e machismo comoestupros, assédios , dentre muitos outros, que permanecem arraigados na nossa sociedademesmo após quase um século.Conforme os estudos de Michelle Perrot20, as mulheres historicamente foramfrequentemente excluídas dos debates e da atenção na historiografia tradicional, onde asfiguras masculinas eram frequentemente destacadas. Esse desequilíbrio também se estendia aoestudo das mulheres à margem da sociedade, como as cangaceiras. No contexto do cangaço,essa dinâmica não foi diferente. Os relatos históricos e representações cinematográficasfrequentemente enfatizaram o papel dos homens, os cangaceiros, como as figuras dominantese resistentes do grupo, relegando as mulheres a um papel secundário, muitas vezes retratadasapenas como companheiras dedicadas a seus maridos.Segundo a tese de Caroline Lima21 intitulada de : E as cangaceiras? As representaçõessociais e o imaginário do feminino cangaço no cinema ,o inconveniente inspirou 14% dosfilmes do gênero cangaço, as mulheres foram marginalizadas no cinema, restando-lhes o lugardo romance, de acordo com Gubernikoff (2009) tal lugar foi construído pelo cinemahollywoodiano, que cristalizou o lugar das mulheres como o do Outro, como objeto dovoyeurismo masculino, nunca como sujeito da narrativa.Na década de 1930, as mulheres ingressaram no cangaço, um fenômenohistoricamente complexo e relevante. Impulsionadas pelo desafiador contexto do sertão,escolheram trilhar o caminho da insurgência, desafiando convenções sociais e buscando umaexistência mais digna e autônoma. Além de enfrentar as adversidades regionais, essa incursãotranscendeu a mera resposta às dificuldades, representando uma poderosa manifestação deindependência, força e determinação. Mesmo em uma sociedade limitada em liberdade eoportunidades para as mulheres, essas cangaceiras romperam com os papéis de gêneroimpostos, desafiando a visão de mundo predominante no sertão nordestino do início do séculoXX. É crucial destacar que, durante as décadas de 1930 e 1940, o Código Civil de 191622ainda vigorava, institucionalizando o lugar da mulher. Assim, as cangaceiras não apenasdesafiaram seus papéis sociais, mas também transgrediram a legislação vigente (Moraes ,Pordeus, Amorim , 2022).Conforme detalhado na obra “Bonita Maria do Capitão” de Germana Gonçalves deAraújo, Maria de Déa, a primeira mulher a adentrar o cangaço, posteriormente reconhecidapopularmente como Maria Bonita, desempenhou um papel de relevância ao abrir caminhopara a participação de outras mulheres no universo do cangaço. Esse desdobramento histórico22 Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm Acesso em 30 de novembro de 2023.21 LIMA, Carolina. E as cangaceiras? As representações sociais e o imaginário do feminino cangaço nocinema, 2020.20 PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. São Paulo: Paz e terra,2010.https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htmfoi resultado das frequentes visitas de Lampião e seu bando à residência de Maria, o que, porsua vez, culminou em uma incessante perseguição pelas forças policiais volantes. Em face dascrescentes ameaças e pressões enfrentadas por sua família, seu pai viu-se compelido a tomar aárdua decisão de abandonar o estado da Bahia e estabelecer-se em Alagoas.Ao contrário de Dadá, esposa do cangaceiro Corisco, que morreria em1994 e deixaria sua vida registrada em livros, filmes e centenas deentrevistas para rádios, jornais e televisão, a história de Maria Gomes deOliveira é contada apenas por terceiros. As lacunas em torno de suatrajetória, embora dificultem a reconstituição dos fatos, não diminuemsua influência. A coragem de desfazer um casamento falido paraacompanhar o homem que desejava e a disposição para enfrentar fome,sede e perseguição policial em nome de um grande amor inspiraramgerações de mulheres por décadas. Apesar de esconder o fato de que ascangaceiras eram submetidas a violências constantes na esfera domésticae privada — embora vivessem ao ar livre do sertão —, essa mitificaçãonão diminui o caráter transgressor da figura de Maria Bonita. Aqueleseram os anos 1930, e mulher decente não abandonava marido, quantomais para fugir com cangaceiro. (NEGREIROS, Adriana, 2018, p. 10-11)Diante desse contexto desafiador, Maria Bonita optou por acompanhar Lampião. Essadecisão foi tomada de forma abrupta, porém, teve um impacto profundo, pois abriu caminhopara que outras mulheres também ingressassem em um mundo que, até então, eraexclusivamente dominado por homens. Maria Bonita, dessa forma, tornou-se uma verdadeirapioneira ao desafiar as normas de gênero e criar oportunidades para que outras mulherescompartilhassem um espaço que anteriormente era restrito aos homens.No imaginário nordestino, Maria Bonita é figura antológica, símbolo devalentia, força e coragem da mulher sertaneja. É a primeira mulher a fazerparte do cangaço, movimento social que surgiu no sertão do Nordestebrasileiro, entre o fim do século XIX e início do século XX, em meio àtentativa de industrialização e modernização do Brasil (República Velha),devido à aversão e à insatisfação aos governantes da época. A cangaceiraMaria Bonita é chamada por Lampião, seu companheiro, de “princesa”,por ter despertado no “rei do cangaço” uma admiração em torno de suabeleza
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